Sleep No More: a experiência em Nova York que vai mexer com seu sono

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Passei por Nova York no começo do mês por pouquíssimos dias e, tentando aproveitar ao máximo o curto tempo disponível, procurei programas que fugissem dos clássicos, principalmente aqueles que só lá eu pudesse encontrar. Pedindo indicações dos colegas mais frequentes da Big Apple, recebi dicas incríveis para bares, restaurantes, galerias menores, corais nas periferias… mas uma em especial me já havia sido indicada antes e me chamou muita atenção: “Sleep no More”.

Teatro em NY é quase obrigatório como experiência, mas como já tinha passado uma vez pela Broadway – um interessante e incrivelmente produzido Spider-Man –, preferi algo mais alternativo. E não tem palavra melhor para definir o que vi no The McKittrick Hotel, espaço cultural no Chelsea montado na estrutura de um antigo hotel abandonado, tão estranho e misterioso quanto o programa como um todo – e também tão interessante quanto.

A graça de “Sleep no More” está sim na surpresa de tudo que acontece. Mas, mais do que saber o que e como acontece, está na experiência em si. Então, vou fugir dos mínimos detalhes para evitar spoilers, mas tentar ilustrar o que considero a experiência artística mais diferente e única que eu já tive na vida. Lá vai:

Em teoria, a trama é inspirada em “Macbeth”, de Shakespeare, mas é impossível entender tudo que acontece indo uma única vez – e isso acaba tornando tudo ainda mais interessante. Você chega no endereço do hotel na hora marcada e não há sequer uma identificação. Espera uma fila se formar do nada e o total clima de suspense já começa ali. Entra, recebe uma carta e é direcionado ao bar. Lá, espera chamarem pela sua carta e aí sim tudo começa de verdade.

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Os visitantes, mascarados, passeiam por todo o ambiente para acompanhar pedaços da história

Aqui, a primeira e mais valiosa dica: não importa se estiver com marido, namorada, grupo de amigos ou mãe: faça tudo sozinho, no seu tempo e nas suas prioridades. Li em vários lugares isso antes de ir e, para mim, se mostrou algo fundamental para a experiência. E vista roupas confortáveis, especialmente os calçados. Me agradeça depois. :)

Você é levado ao início de uma escada com um pequeno grupo e ganha uma máscara, sendo obrigado a colocá-la e mantê-la durante toda a visita. Logo depois, sua primeira escolha: subir ou descer. A verdade: não faz diferença. Mas é aí que você começa a desenhar o que será “Sleep no More” para você.

Tudo é solto e tudo acontece ao mesmo tempo. Não há plateia sentada ou indicações. Simplesmente cerca de 300 pessoas literalmente correndo por cinco andares diferentes de um prédio gigante, onde a história acontece em todos os cantos e momentos. Também não há falas, então não há problemas quanto à língua. Aliás, falar é totalmente proibido para o público e acontece apenas em casos especiais com os atores – então não se assuste se algum se dirigir diretamente a você.

Um hospício, um hotel, uma casa, um cemitério, um bar… vários ambientes em que os atores passam e interagem, enquanto você vai por onde quiser, acompanhando ou não um deles especificamente, montando seu quebra-cabeça. Tudo isso até que você tem o primeiro choque: “isso já aconteceu antes, não?”.

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Tudo acontece como se você não estivesse ali. Foto: Sara Krulwich / The New York Times

Ao fim da primeira hora, tudo recomeça, exatamente igual. Chance para você seguir caminhos diferentes, voltar de onde parou, tentar entender ao menos uma parte do que não entendeu. Isso acontece mais uma vez, completando 3 ciclos – e o total de 3 horas – de experiência. Ao final, você montou uma história só sua, com partes faltantes que muitas vezes aparecem exatamente ao conversar com quem mais foi. E na maioria das vezes, vão faltar para sempre, a não ser que você decida retornar.

Minha escolha foi passar a primeira hora totalmente perdido, correndo entre os andares e tentando descobrir e entender os personagens. Na segunda hora, tentei acompanhar mais de perto aqueles que achei mais interessantes e, na terceira, fui seguindo por instinto e tentando achar momentos onde tinha parado antes, para continuar os pedaços. Para mim, funcionou super bem. Mas, novamente, é uma experiência única – e você só entende o que é e como vai reagir de verdade lá dentro, não interessa o quanto já tenham te contado ou lido sobre.

O que mais me impactou em “Sleep no More” foi a forma como (não) participamos de tudo. Você vê pessoas mascaradas (como você) correndo de um lado para o outro como fantasmas, se aproximando dos atores (tocar é proibido) como se não estivessem lá, te fazendo sentir meio espectro também. Como o espaço é gigantesco, muitas vezes você está totalmente sozinho, vendo ou não um pedaço da história, ou explorando os ambientes que são assustadoramente bem produzidos e lotados de detalhes. Cadernos totalmente escritos, lápides talhadas, café servido ainda quente na mesa do hotel. Tudo muito escuro e em vários momentos bem macabro, mas o sentimento de surpresa é muito maior que um possível medo.

Para quem cansa – temporariamente ou de vez – da brincadeira, a qualquer momento é possível voltar ao bar, pedir um drink, sentar um pouco e voltar à história, ou simplesmente sair. Mas para mim, tudo foi tão impactante que me mantive correndo de um lado ao outro até quase completar as três horas de limite. Ao final desse tempo, os próprios atores auxiliam a todos para deixarem o espaço e se preparam para outra sessão.

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É esse o grande mérito de “Sleep no More”. Como história teatral, é quase impossível dizer o quanto ela ou não satisfatória, uma vez que você sai de lá sem conhecer tudo que aconteceu. Mas como qualquer forma de arte, ela alcança com louvor o objetivo de mexer com você, te assustar, te tirar do eixo, fazer pensar e repensar. Por vários momentos, você esquece quem é para viver a história do outro, mesmo sem saber quase nada sobre ela. Sai de lá exausto, na maioria das vezes maravilhado, em alguns casos odiando tudo. Mas é impossível sair indiferente.

Os ingressos não são baratos (ainda mais para nós, meros mortais recebendo em reais frente ao dólar), com o mais em conta por volta dos US$ 110 (dependendo do dia). Outros, com jantar, champagne e frescuras que não impactam na experiência, chegam a US$ 350. Todas as infos estão disponíveis no site do The McKittrick Hotel. Abaixo, o teórico trailer oficial, que está no site deles e dá uma mínima ilustração do clima do lugar.

Se você for, me conta o que achou – e quem sabe mais um pedacinho da história, para ver se eu completo a minha. :)

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