Refúgio

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Retalhos de memórias

Abro a porta do armário das lembranças. Nas prateleiras desarrumadas, encontro pedaços de momentos que vivi. Retalhos de memórias guardados dentro de mim. Nesse período de isolamento, escolhi viajar por esse passado que se afasta cada dia mais rápido. 

Do silêncio do quarto, vou direto para o ônibus. Estou no 607, trajeto Estácio – Cascadura. São nove e pouco da noite. Minha mãe está sentada no banco alto enquanto minha irmã e eu estamos em pé, na sua frente. Com as mãos livres, seguramos nas barras de apoio enquanto ela carrega nossas mochilas no colo.

De uma sacola da Sendas, ela retira uma Coca 600ml e um pacote de Ruffles, que são compartilhados junto com as histórias do dia. Os assuntos variam de escola, o balé da minha irmã, acontecimentos do trabalho. Consigo sentir agora o gostinho daquele instante.

Quanto tempo será que aqueles minutos duraram? Sou enganado pela distância tempo-saudade. Uma viagem que nunca acabou dentro de mim.

Percebo que já estive nesse lugar antes. Nesse ônibus, nesse pensamento. Em períodos de tristeza, quando me sentia sozinho, passava no supermercado e ia em direção às gôndolas, atrás da saudade. Como se eu procurasse, em cada garrafa, pedaços de lembrança que borbulham acolhimento. É desse sentimento que eu me alimento nos momentos difíceis.

O 607 chacoalha no asfalto esburacado. Com ele, balança também a minha vontade de voltar naquele dia e poder abraçar as duas ali mesmo. Porque, naqueles minutos, era impossível prever qual trajeto as nossas vidas iam tomar. 

Não escrevo esse texto como um desabafo. Não há um sofrimento diante dos fatos, nenhum tipo de arrependimento. Faço isso para percorrer o meu desconhecido e chegar a lugares que estão por trás dos meus pensamentos. Eu me desfaço nessas palavras para me refazer em memórias.

Encaro esse período de confinamento não só de frente, mas de dentro. Como alguém que abraça a oportunidade para se relembrar daquilo que é o mais importante. Diante do caos, abro uma garrafa e me mantenho nesse lugar intacto. Meu refúgio é uma Coca-Cola e uma batata-frita.

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