A briga pela hierarquia de controle na Internet das Coisas

a maior parte desta conectividade que hoje chamamos de ‘internet’ não passa por telas, não estão piscando em laptops, smartphones, tablets e TVs conectadas; a grande revolução da conectividade das coisas existe em um mundo non-screen ou screenless.

A internet já foi identificada como “uma rede mundial de computadores“; por volta de 2005, com a popularização do termo “Web 2.0”, acabou virando uma “rede mundial de pessoas conectadas“. A ampliação desta conectividade para uma troca de dados de forma autônoma entre dispositivos diversos representa a terceira onda da da rede… a quase onipresente ‘internet das coisas’, ou, “uma rede mundial de coisas conectadas”.

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Como quase toda inovação, a mídia não especializada e usuários mais à direita da curva de inovação encaram novos conceitos por meio da analogia com ideias já presentes na sociedade. Assim foi com a internet nos anos 1990; “uma revista eletrônica”. Não é surpresa, então, que a primeira interpretação do conceito de “internet das coisas” tenha sido transformar eletrodomésticos em computadores, embutindo telas que permitissem a navegação online.

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“Essa geladeira executou uma operação ilegal e será fechada”

Porém, a maior parte desta conectividade que hoje chamamos de ‘internet’ não passa por telas, não estão piscando em laptops, smartphones, tablets e TVs conectadas; a grande revolução da conectividade das coisas existe em um mundo non-screen ou screenless.

O digital é muito maior que a internet que, por sua vez, é muito maior que sites e apps.

A digitalização da vida implicou em reconfigurações individuais e sociais que impacta a maneira como nos relacionamos e fazemos negócios – tema mais amplo para outro momento. E a internet, por sua vez, abriu caminho inicialmente para o compartilhamento de dados, seguindo da integração de dados e, por fim, para a interoperabilidade, palavra chave para o que entendemos como Internet das Coisas.

Figura 1 O paradigma da Internet das Coisas como resultado da
O paradigma da “Internet das Coisas” como resultado da convergência de diferentes visões. Traduzido de [Atzori et al. 2010].
Fuzeto, Ricardo & Braga, Rosana. (2017). Proposta de Uma Linha de Produtos de Software para Sistemas de Aprendizagem Ubíquos com Internet das Coisas. 1232. 10.5753/cbie.wcbie.2017.1232.

A busca pelo pelo controle da automação residencial

Um dos grandes expoentes da internet das coisas no mundo B2C tem sido a automação residencial. Um sem número de fabricantes de equipamentos percebeu que não poderiam deixar seus equipamentos vivendo sozinhos, isolados em seu cantinho, tendo como única conexão o cabo da tomada.

Aqueles fabricantes mais ‘tradicionais’, na ânsia de conectar suas ‘coisas’, muitas vezes não tinham claro quais comandos poderiam/deveriam incluir nestes dispositivos; o que o consumidor-usuários gostaria de executar remotamente? O que ele/a gostaria de automatizar por meio de rotinas e disparadores? E, ainda hoje sem resposta, quais dados podem ser obtidos da interação com as coisas que permitiriam à empresa não ser apenas uma fabricante de peças de metal mas também um hub de inteligência sobre comportamento do consumidor? Ou, sendo muito mais simples, utilizar tais dados para fornecer uma gestão mais inteligência de produto e serviços agregados.

Contudo, a incorporação da conectividade e dispositivos diversos trouxe como consequência um problema de experiência de usuário: uma dezenas de aplicativos proprietários de diferentes empresas, cada qual desenhado para configurar e administrar seus respectivos dispositivos.

No início, cada empresa buscou criar um ecossistema residencial proprietário e um aplicativo controlador, o que, embora faça sentido para cada marca individualmente, gera um grande esforço adicional para o consumidor-usuário: espera-se, todos os equipamentos sejam da marca de um único fabricante.

Assim, por exemplo, para tirar proveito total do aplicativo Smart Things, da Samsung, todos seus dispositivos – televisão, geladeira, lavadora, ar concionado, etc – deveriam, a princípio, serem da marca sul-coreana.

Isto não faz sentido, certo?

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– O que eu posso controlar por você hoje?

Dispositivos, Comunidades e Ecossistemas

Bem, sabemos que, apesar de sua relevância, a decisão de compra por um ou outro equipamento vai além da imagem de marca em geral. Da mesma maneira, a imagem de marca se difere em categorias distintas de produto – talvez eu compre uma TV da LG, não sei se compraria um laptop da mesma marca.

Logo, há maior probabilidade de que seu ambiente residencial seja composto por equipamentos de diferentes fabricantes, todos conectados mas falando idiomas diferentes e fechados em sua própria bolha – ou, seu próprio ecossistema.

Neste cenário, abriu-se espaço para ferramentas agregadoras, que se conectam aos diferentes ecossistemas e permitem que o controle seja feito de forma centralizada. Tal integração ocorrendo no nível de software e hardware (como ‘casca’ para o software).

Espera, espera… pausa para entendermos esse negócio de “Ecossistemas” primeiro…

Ecossistemas ocorrem quando plataformas, dispositivos e ferramentas compõem uma solução integrada e interativa entre si. Uma definição que podemos adotar é considerá-los como “camadas integradas de de hardware, software, conectividade e informação que fluem conectadas a atividades (processos)  de tomada de decisão”

Woodhead, Sthephenson & Morrey, 2018

O termo não é novo; ele foi cunhado pelo botânico Sir Arthur George Tansley em 1935 e emprestado da Ecologia para outros contextos. Da Ecologia: “Ecossistema é o nome dado a um conjunto de comunidades que vivem em um determinado local e interagem entre si e com o meio ambiente, constituindo um sistema estável, equilibrado e autossuficiente”.

Em nosso contexto, comunidades de dispositivos de marcas diversas convivendo e interagindo entre si.

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Continuando…

A (quase) Torre de Babel do IOT

Enquanto as grandes multinacionais desenvolviam uma estrutura própria, algumas marcas começaram a se posicionar como ‘plataforma’, ou, de maneira simples, uma base sobre a qual diversos dispositivos, softwares e linguagens rodariam de maneira integrada.

Por exemplo, grande parte dos dispositivos hoje conectados baseia-se na plataforma Tuya, empresa fundada em 2014 e baseada em Santa Clara, no Vale do Silício, cuja visão identificou que, se cada um desenvolvedor de “coisas conectadas” tiver que construir sua própria estrutura de software e interconectividade, passaríamos a ter um monte de coisas conectadas à internet mas desconectadas entre si.

Ou seja, um monte de panelinhas de coisas conectadas: Samsung fala com Samsung, Xiaomi fala com Xiaomi, Philips fala com Philips, mas ninguém conversa entre si – a tal da interoperabilidade.

Outras empresas também enxergaram este problema e a solução apresentada foi a criação de um protocolo comum para troca de comandos em coisas conectadas; e o grande conector entre estas coisas todas é o protocolo ZigBee, particularmente em aparelhos de baixa potência, como hubs residenciais, sistemas de iluminação controle de temperatura, alarmes, entre outros. 

O ZigBee é desenvolvido e mantido pela ZigBee Alliance, um grupo de empresas que busca a integração de seus dispositivos e sistemas de uma forma integrada, o que resulta não apenas em melhor usabilidade para o consumidor-usuário, mas também na redução de custos de desenvolvimento e na desnecessária competição por um padrão de protocolo vindo de uma ou outra companhia – como o que ocorreu na própria criação da internet, onde algumas empresas/instituições tentaram desenvolver sua “internet própria” ao invés de abraçar o TCP/IP, base da conectividade. Se bem que projetos de criar uma internet alternativa vem avançando na China e Rússia.

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Mas mesmo a padronização da comunicação que permitiu a interoperabilidade também gerou uma nova briga entre as empresas: quem irá controlar o ecossistema todo? Quer dizer, quem será o one-app-to-rule-them-all? Qual será o único aplicativo a ser utilizado pelo consumidor-usuário que permita controlar a TV Samsung, a geladeira LG, as luzes Philips e todo o resto do strogonoff de marcas das coisas conectadas?

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E neste momento estamos. 

Fabricantes de dispositivos começaram a abrir seus apps para incorporar outros equipamentos, de marcas distintas, baseado no protocolo ZigBee.

A própria Tuya acabou sendo uma saída comum para pequenos fabricantes de dispositivos. Seu aplicativo SmartLife é hoje um dos principais hubs de configuração e operação de uma série de coisas conectadas de marcas ‘menores’ (comparativamente a uma Samsung, LG ou Philips). 

Empresas como a Sonoff, NovaDigital, AGL, i2Go, Teckin – para citar algumas – podem até ter seus próprios apps de configuração e administração dos dispositivos conectados; contudo, estas marcas muitas vezes apenas aplicam suas logos em dispositivos white-brand desenvolvidos por empresas chinesas conectadas ao ecossistema Tuya/Smartlife.

A escolha por um único aplicativo integrador também evita a duplicidade de registros em sua rede doméstica – se você tem o app SmartLife, o i2Go e o Positivo, cada um tentará assumir o registro/controle de todos os outros dispositivos, fazendo com que você possa ter, por exemplo, três sensores na sua porta de entrada, quer dizer, um único equipamento sendo ‘lido’ por três apps diferentes, o que se tornará um problema quando entrarmos no próximo tópico: dispositivos agregadores :)

Smartphone pra quê?

Duas outras empresas estavam correndo por fora e resolveram levar este controle centralizado de funções a um novo nível: dispositivos agregadores.

Um consumidor-usuário acessa softwares a partir de hardwares; quer dizer, até que seja possível conectar nossas mentes à internet (ou ainda assim), a dinâmica de input-output de informações – solicitação de algo e resposta a esta solicitação – segue ocorrendo por meio de dispositivos físicos.

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Se é assim, porque pensar que o smartphone deveria ser a única porta de input-output? Aliás, que coisa mais anos 2000 ficar apertando uma tela numa caixinha pra que as coisas aconteçam (nossos netos irão rir disso)…

Chegamos então aos assistentes virtuais, sendo Amazon Echo (rodando Alexa) e Google Nest/Home os expoentes desse pensamento.

O aumento da penetração de tais dispositivos resulta em uma força de mercado que empurra os fabricantes de dispositivos conectados (e softwares que os controlam) a conectarem suas coisas aos assistentes pessoais. Nisto, o uso de uma plataforma comum – como a Tuya – automaticamente adiciona todos os fabricantes que dela utilizam também no ecossistema Alexa / Google.

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Nisto, surge uma nova camada na briga pela marca que governará todas as outras – e aquela que que efetivamente detém a mente e, mais do que isso, poderá consolidar os dados, dos consumidores-usuários.

Tanto Amazon quanto Google sabem quantas lâmpadas tenho em casa, quando foram compradas, de que marca são, conhecem minhas televisões, meus sistemas de alarme, monitoramento, quando costumo usar o ventilador, ar condicionado, aspirador de pó, quantos cômodos tenho no apartamento, se tenho escritório, estúdio, quarto do bebê (no meu caso, quarto das cachorras)… Alexa, mi casa es tu casa!

Quando outros dispositivos passarem a integrar a rede de coisas conectadas de uma forma mais inteligente, também poderão contar aos outros o que tenho na minha geladeira, que tipo de bolo cozinhei ontem ou quanto de carga de roupa tenho lavado semanalmente.

Obviamente muitas discussões sobre privacidade do consumidor-usuário ainda virão à tona e não é foco deste texto tratar deste assunto. Seu objetivo é, sim, demonstrar que a IOT não deve ser encarado apenas como Internet das Coisas, mas como Inteligência das Coisas; e o que “eu” – consumidor ou empresa – consigo fazer com isso.

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