A didática da invenção: a poesia de Manoel de Barros

Depois que Domenico De Masi lançou “O ócio criativo”, o livro foi adotado como um manual de criação. A teoria encharca a extrema necessidade de não se fazer nada, de não consumir nada e esvaziar a cabeça a fim de torná-la fértil de novo. 

O poeta Manoel de Barros tem um nome melhor para isso: ser inútil. No seu “lugar de ser inútil”, um quartinho na casa onde vivia, ele saboreava longas horas sem fazer nada. Ou melhor, fazendo poesia em tempo integral. “Eu só presto pra poesia”. 

A inutilidade é praticamente uma ofensa. Neste mundo hiper conectado, que sacode qualquer informação, devora referências infinitas e descolore qualquer mundo atrás da perfeição, o documentário, “Só Dez por cento é mentira” volta-se para a vida de Manoel como um tipo de idealismo impossível. 

Manuel sempre foi reticente em fazê-lo. Não gostava de dar entrevistas em vídeos, só por escrito. E como ele mesmo se explica, “não gosta de explicar nada”. 

Manuel de Barros
O poeta, Manoel de Barros.

O diretor e roteirista, Pedro Cezar, um apaixonado da obra de Manuel, texturiza o documentário como um livro do próprio poeta. Vai atrás das pessoas que o inspiram, dos personagens que o poeta capta a invenção para criar a sua. 

Atores, como Elisa Lucinda, escritores, como Fausto Wolf, e músicos, estão entre os depoentes que colaboram para encontrar a nascente da poesia de Manuel. 

Palmiro, um amigo, talvez seja o melhor deles. Homem muito simples e sabido, morador do Pantanal, como o próprio Manoel também era, Palmiro é um “inventor de horizontes”, um abridor de amanheceres, um tipo de personagem tão raro e inspirador, que só mesmo Manoel para entender a beleza de conhecê-lo.  

Ao longo do filme, frases e versos do escritor guiam o espectador para dentro desta fenda no mundo. “Poesia é pra deixar o mundo maior”. 

Esse lugar, que não se acha em nenhum mapa, é onde toda a inutilidade da poesia é vista pela sua plenitude. 

manoel de barros folhapress
A genialidade de Manoel não se abre com faca.

“Tudo o que não invento é falso”. A invenção é a verdade maior, e talvez a única. Mas não é restrita, como muitos pensam. 

Certa vez, assistindo uma entrevista de outra grande artesã da literatura brasileira, Nélida Piñon, ela dizia que o brasileiro é um narrador de nascença. Da compra do pão de manhã antes do trabalho, até a jornada de volta para casa ao tomar o ônibus, tudo vira história. Narrar e criar faz parte do nosso DNA. 

Manoel dizia que não era biografável. Ele era um biógrafo da beleza, da vida, da própria invenção. 

O título do filme é inspirado em um verso dele: “Noventa Por Cento Do Que Eu Escrevo É Invenção. Só Dez Por Cento É Mentira”. 

Ler Manuel de Barros é o melhor manual de criação possível. Aliás, de anti-criação. De anti-fórmula, anti-teoria, de anti-certo. É apanhar o desperdício antes dele fugir. A melhor forma de aproveitar o ócio.

Como ele desdisse em “Uma didática da invenção”. 

“Desinventar objetos. O pente, por exemplo. Dar ao pente funções de não pentear. Até que ele fique à disposição de ser uma begônia. Ou uma gravanha. Usar algumas palavras que ainda não tenham idioma.”

O documentário, “Só dez por cento é mentira”.

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