Palíndromo: um curta que contrapõe imagem e som

Palíndromo é um curta-metragem de 2001 que trabalha a construção de tensão e alívio no storytelling contrapondo imagem e som.

Um dos deleites da docência é ser provocado e aprender com os alunos, sobretudo quando passamos a enxergar algo já conhecido com outro olhar.

Nisto, em um curso de storytelling fui reapresentado ao curta Palíndromo (obrigado Marina Santos!), um filme de 2001 dirigido por Philippe Barcinski e produzido pela O2 Filmes e Degrau Filmes que ganhou alguns prêmios no Festival de Gramado do mesmo ano.

Este curta não só usa um modelo de cronologia reversa (onde a flecha do tempo vai no sentido futuro —> passado), mas é também editado ao contrário. Grosso modo, as cenas do filme acontecem de trás pra frente.

O curta é construído em ‘blocos’ (cada cena) com textos muito bem escritos que contam (na ordem que seria a cronológica) um difícil dia na vida de um homem que ‘perde muitas coisas’ (para não dar spoiler). O texto me parece ter sido construído em cima de UMA informação por cena, que é trabalhado em repetição e aumento/diminuição da tensão, dependendo se vc está vendo-o respectivamente no que seria a ordem original ou o contrário.

Contudo, a brincadeira com o “palíndromo” não se dá com os acontecimentos do filme.

Se formos olhar *apenas* as imagens, o filme não é exatamente um “palíndromo”, pois há um crescimento de tensão com os acontecimentos, que resultam no ‘surto’ (vamos chamar assim) do personagem ao final. Assisti-lo ao contrário, consequentemente, há uma atenuação da tensão (alívio) até chegar aos ~8’28”, que seria o início da jornada do personagem.

O que poderia torna-lo um palíndromo é a genial combinação entre tensão x alívio visual com tensão x alívio sonoro. Enquanto um (por exemplo, visual – os acontecimentos, as cenas) podem ir da tensão ao alívio (na ordem invertida que o filme é apresentado), a música faz exatamente o oposto; ela começa em uma condução aliviante e vai se tornando cada vez mais angustiante até os 8’28’’, final do filme.

Uma interpretação que poderia fazer disso é que, apesar do que expressava o personagem (“sou feliz”), ele poderia se sentir angustiado por toda pressão da vida (trabalho, amante, etc) e, quando chegou ao fundo do poço, pode ter se sentido “livre”, em um jogo narrativo de essência e aparência (o que é versus o que é mostrado).

Outra observação que fiz é que esta construção de contraposição entre imagens e música percorrem um dos eixos da rosa das emoções de Plutchik (um dos modelos de emoções básicas discutidos ao avaliar o papel das emoções nas histórias), mais especificamente saindo da apreensão que a música tensa causa no que seria o início cronológico dos acontecimentos (ou “final do filme” em ordem inversa), passando pelo medo, terror e chegando à raiva (o que, na ordem cronológica dos eventos, resulta em uma narrativa decrescente pelas imagens).

Pluthick

A história até poderia continuar indo pelo eixo perpendicular; não por acaso, em linha com os estágios do luto de Elisabeth Kubler-Ross.

Enfim, fica a referência e ficam as reflexões para quem gosta de analisar os bastidores das histórias.

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