Testes de personalidade para recrutamento, onde mora o perigo

Documentário ‘Persona’ levanta questionamentos éticos sobre o uso dessa ferramenta em processos seletivos

É difícil resistir aos testes de personalidade espalhados pela internet, dos mais simples aos mais complexos. Eles trazem resultados que podem elucidas algumas de nossas questões pessoais como comunicação, introspecção, capacidade de julgamento, entre outros.  Porém, há poucos dias o HBO MAX lançou o documentário “Persona: The Dark Truth Behind Personality Tests”, dirigido por Tim Travers Hawkins, em uma coprodução com a CNN. O que a princípio parece um passeio pelas diferentes personalidades e características que os testes apontam, revela um caminho perverso para quem está em busca de um emprego e perigoso para empresas que adotam esse tipo de sistema para contratações. 

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O filme traz à luz a questão das pessoas automaticamente discriminadas por testes de personalidade que costumam rejeitar candidatos com doenças mentais, neuroatípicas e culturalmente diversificadas. O que pode parecer uma otimização de tempo para o empregador, pode trazer danos emocionais para os que são continuamente rejeitados por esses sistemas, como o documentário mostra. Além de se criar uma lacuna ocupacional na vida deste trabalhador, existem ainda outras consequências, pois após ficar um tempo longe do mercado de trabalho, quem busca um emprego tem ainda mais dificuldade para encontrar, pois acaba sendo desacreditado, ou seja, se ele(a) não estava trabalhando é porque tem algo errado com ele(a). Um tipo de comentário que com certeza muita gente já ouviu.

Mas o que é bom ou ruim em uma pessoa? O que é um candidato ideal? Apesar de os estudos sobre personalidade começarem a aparecer há centenas de anos, os testes começaram a figurar no mercado laboral na década de 50. Uma das pioneiras foi Isabel Briggs, fundadora da Myers-Briggs Type Indicator, uma mulher que admirava as ideias de Carl Jung e que fazia experimentos com suas filhas e outras crianças. Anotando traços de personalidade como introvertido, extrovertido, entre outros, ela comparava reações para apontar possibilidades. De acordo com algumas entrevistas que Isabel concedeu na época, a ideia era que as pessoas se conhecessem para encontrar trabalhos e ocupações em conformidade com suas características e assim, serem mais felizes. 

Entretanto, sem comprovação científica, os experimentos de Isabel tiveram como juiz de valor, as suas próprias crenças, experiências e princípios, que segundo especialistas ouvidos no documentário tinham um fundo racista. Trazendo para a nossa realidade atual e fazendo um paralelo com inteligência artificial, é fundamental levarmos em consideração quem está por trás do desenvolvimento destas tecnologias. É um time diverso? Quais são seus valores?

Depois do Myers-Briggs, muitas empresas surgiram no mercado criando seus próprios testes com princípios semelhantes para ajudar companhias em todo o mundo a contratar. Se você já fez um teste como esse, vai se lembrar que leva em torno de 25 a 30 minutos, onde a pessoa é induzida a responder se concorda totalmente, parcialmente, é neutro ou discorda parcialmente ou totalmente, com situações que se apresentam. Esse tipo de teste gera um relatório de dezenas de páginas (eu vi um de 36 páginas) sobre você ou o que eles pensam sobre você.

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Entretanto, a tecnologia tem deixado esse mercado ainda mais sofisticado e hoje empresas como a HireVue, citada no documentário de Hawkins, já conseguem fazer a avaliação do candidato de acordo com as expressões faciais que ele apresenta no vídeo ao responder as perguntas. Ou seja, se você está nervoso naquele dia, porque provavelmente estará já que está em busca de uma oportunidade, ou teve qualquer outra situação desafiadora, isso pode jogar contra você. Se junto com o nascimento de novas tecnologias emergem também as questões sobre regulação, aplicações, direitos e privacidade, certamente o recrutamento é mais um tema que temos que trazer à tona para não corrermos o risco de sofisticar a discriminação.

Apesar do filme mostrar uma realidade traiçoeira, felizmente também vemos no Brasil e no mundo, cada vez mais iniciativas de empresas que se propõem a fazer processos seletivos prezando por diversidade e também por grau econômico social, com o intuito de não levar em conta apenas a formação, mas as condições em que o candidato vive, qual a renda da família e o quanto a conquista de um emprego beneficiaria o trabalhador e o seu entorno como um todo. Para quem contrata assim, as vantagens vão desde a retenção de talentos, à motivação de verdadeiros embaixadores da marca. 

O interessante no caso dos testes online de personalidade, é que de certa forma os líderes de recrutamento podem lavar suas mãos, uma vez que essa pré-seleção filtra boa parte das aplicações para uma vaga e eles não precisam ter nenhuma interação com os currículos ou resumos das pessoas não ideais. 

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