Como salvar a Internet?

De ideais de um mundo sem fronteiras e conhecimento compartilhado para um shopping a cada clique: ainda é possível recuperar a internet?

A internet comercial surge na década de 1990 com a ideia de que é possível construir redes de comunicação e solidariedade, com grande compartilhamento de conhecimento, desvinculadas de governos e instituições. Quase 30 anos depois, temos um cenário de crise: uma hipermercantilização do ego, uma acentuada polarização impulsionada por algoritmos e uma geração inteira lutando por mais saúde mental.

Tive uma conversa ótima com o Ronaldo Lemos sobre isso no podcast 22000 pés. Quem não conhece, Ronaldo é advogado, mestre em Direito pela Universidade de Harvard, doutor pela USP e sócio do escritório Rennó Penteado, onde coordena a área de tecnologia. Além disso, ele apresenta e escreve o programa Expresso Futuro, exibido no Canal Futura e no Fantástico, é colunista da Folha de São Paulo e comentarista de tecnologia da Globonews. Pode já curtir a íntegra da conversa no episódio #11:

Como Salvar a Internet?

O Ronaldo tem uma avaliação muito interessante, de que o “ponto com” deveria ser uma parte possível da multiplicidade da internet e acabou adquirindo uma certa centralidade, minando outras dimensões importantes. E que a reversão disso se dá pela construção de espaços cívicos, coletivos, que se saia do regime do “cada um por si” em nome de uma riqueza de conexões reais e estáveis.

Esse debate se faz ainda mais presente nesse momento em que dependemos da internet como modo de sobrevivência, em termos de saúde pública. Se por um lado a internet permite que vários setores produtivos se mantenham ativos, inovando e que relações pessoais importantes tenham continuidade, também há um excesso de exposição, uma fadiga constante causada pela demasia da própria imagem. Nessa lógica em que o ego é explorado ao máximo, gerando visibilidade, publicidade, e, em última instância, dinheiro, há uma dinâmica em que você se projeta na rede, mas também é explorado por ela. Assim, Ronaldo avalia que seria mais interessante ter projetos na internet que dependam menos da identidade, e mais da colaboração como elemento central.

Aprecie com moderação

Moderar. Equilibrar. Balancear. Ponderar. O que deveria ser fruto do bom senso humano, nem sempre é claro para ferramentas que usam inteligência artificial na tomada de decisões dentro de determinados espaços da internet, em especial nas redes sociais. Mesmo o bom senso de alguns humanos pode ser questionado, neste caso. Por isso que a iniciativa da recém-lançada Comitê de Supervisão do Facebook é tão interessante. É um foro independente, informalmente conhecido como a “Suprema Corte” da rede social, mas com ressonância dentro da empresa, criada para responder e resolver vários impasses de moderação de conteúdo no Facebook e no Instagram. Qualquer pessoa que tenha algum conteúdo removido, pode encaminhar um recurso ao órgão, que tem a palavra final sobre o assunto e a decisão é necessariamente acatada pelo Facebook e Instagram.

Ronaldo Lemos é o único brasileiro a integrar esse comitê moderador e conta que, pela capacidade limitada de avaliação, é comum que sejam selecionados casos emblemáticos, representativos, que tenham um efeito para um grande número de pessoas. Esse é um experimento institucional importante, que busca respostas inovadoras para novos problemas que surgem desse modo de sociabilidade. O comitê já emitiu parecer até sobre um caso brasileiro; uma imagem de um seio feminino havia sido postada numa página e acabou sendo removida. E esse seio feminino, na verdade, era uma campanha do Outubro Rosa, de prevenção ao câncer de mama. Algo que não deveria ter sido excluído.

A ponderação também é importante para lidar com discursos divergentes. Como na última semana em que o filho do presidente abre queixa crime contra influenciadores digitais por opiniões sobre a gestão da pandemia por parte do governo federal dadas em redes sociais. Para Ronaldo, só é possível lidar com discursos problemáticos – mas não ilícitos – com mais discurso. Nesse caso em específico, a palavra usada pelo youtuber para definir essa gestão da pandemia traz em si uma indignação política, de uma tragédia inaceitável. Mas é uma opinião de alguém – que existe – que a dá publicamente, não uma artimanha de uma campanha oculta, com um robô reproduzindo um script, orquestrado nos bastidores, sem saber ao certo quem responsabilizar (esse tipo de postura, sim, deve ser coibida). Nesse caso, querer conter uma opinião legítima com represália policial é inaceitável do ponto de vista da liberdade de expressão. Discursos legítimos devem ser rebatidos no campo das ideias, de expressar o porquê aquela opinião diverge, não proibir alguém de expressá-la.

Mas se é preciso de ter gana, é preciso ter graça, é preciso ter otimismo sempre. A internet tem salvação? Claro que tem! E nisso o Ronaldo também é completamente otimista. Com o resgate daquelas ideias iniciais da internet, como inovação, debate público democrático, o engajamento da sociedade civil pensando coletivamente (e no coletivo) é possível. E sem renunciar ao lado comercial. As marcas podem e devem se engajar nesses ideais, pensar sua responsabilidade também como parte dessa sociedade. Essa é uma luta que vale a pena – e que nunca termina.

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