De volta aos clássicos: O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro, de Glauber Rocha

Antonio das Mortes (Maurício Valle) é contratado para dar cabo do que ele acredita ser o último cangaceiro do nordeste, Coirama (Lorival Pariz). A sinopse de “O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro”, parece simples, à principio. Mas o cinema do diretor brasileiro, Glauber Rocha, é um turbilhão de sensações e temas que revelam por meio da cultura popular um país despedaçado pela miséria. 

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Embora a política seja um fio narrativo importante em suas histórias, “O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro” se apoia explicitamente na religião para tornar o alcance político mais acessível. São lindas as cantigas do povo e os rituais da cultura nordestina retratados no filme. A figura messiânica de Coirama libertando o povo nordestino das amarras dos coronéis, a Santa Bábara (Rosa Maria Penna), o Padre progressista, o Coronel Horário (Jofre Soares) que é cego e se acha um homem bom, e o próprio Antônio das Mortes representando essa espécie de juiz que só determina um tipo de sentença, compõe um ciclo de personagens que ilustram como Glauber enxergava o Brasil. 

Cada um representa em alguma instância as instituições que tornam a luta de classes parte da formação social e civil de todos os brasileiros. O filme é cheio de símbolos.

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As cenas são entrecortadas, sobrepondo cantigas, cordéis e músicas, como um quebra-cabeça que não parece fazer muito sentido e, de repente, se revela completamente montado. Os delírios e imaginações dos personagens parecem soltos no filme, mas aos poucos entendemos que eles ligam realidade e o sonho. São a conexão entre a fantasia e o ritual, entre a verdade e a carência do povo nordestino. O filme é esse extenso painel histórico de pequenas lutas entre o bem o mal, entre quem representa o bem e o mal. 

Inclusive, um dos mais belos momentos do filme se dá quando Antônio das Mortes e Coirama finalmente duelam. Talvez, seja nesse momento que o matador de cangaceiro entende que ele não é o bem e Coirama o mal; os dois sempre estiveram do mesmo lado. São homens miseráveis resistindo contra um sistema que, assim como os cangaceiros, nunca some. 

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O diretor americano Martin Scorsese destacou a influência desse momento em “Gangues de Nova York” e em “Os Infiltrados”. Ele falou sobre a importância do cinema de Glauber algumas dezenas de vezes e conta melhor sobre “O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro” em uma longa entrevista à Folha de São Paulo, em 2006. 

Glauber Rocha venceu a palma de ouro em Cannes por esse filme. “O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro” é essencial. Não somente para entender o Brasil daquela época, mas o país de hoje. A luta de classes não é maniqueísta, é ancestral; é de onde sai nossas raízes culturais, religiosas e políticas.

A luta pela terra faz parte do corpo do brasileiro. Como disse o próprio Coirama, “o futuro tá em cima do futuro e não debaixo do passado”. 

Ninguém sabe quando o Brasil vai parar de enterrar corpos debaixo desse passado. Mas guiados por uma elite cega, como o coronel Horário representa, o sertão é um lugar onde quem enxerga não é rei. É louco.

Onde assistir: Telecineplay, Globoplay, Apple TV. 

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