Gurus do marketing e outros picaretas

Como os gurus do marketing causam danos irreparáveis à disciplina e o que podemos fazer sobre isto.

Toda profissão possui aquele profissional que é consensualmente odiado pelos especialistas, mas bastante reconhecido pelo público em geral. Geralmente é alguém que aprendeu a vender muito bem meia dúzia de fórmulas prontas e replicam determinada profissão em seu nível mais raso, fraco, pobre – e muitas vezes de um jeito até antiético. 

Na minha área, o inimigo-comum é frequentemente encontrado em cima de um palco e se autodenomina “guru do marketing” – categoria que inclui também uma série de outros picaretas de áreas análogas. Eu nunca havia entendido completamente o arrepio que sentia ao ouvir esta expressão. Como uma publicitária e especialista em branding, que sempre prezou pelos limites éticos e teóricos da disciplina, meu estômago revirava em um misto de raiva, desdém e medo de ser confundida com um desses gurus por um observador desatento. Mas, afinal, o que é preciso observar para identificar corretamente um guru? Para responder a esta pergunta, passei a observá-los de perto. Se você não é da minha área, eu vou te ajudar a reconhecer um guru de longe pra nunca mais cair em cilada. E, se você é da minha área, vem comigo que eu não quero passar raiva sozinha.

Currículos tão inflados quanto o ego

Eu entendo que faz parte do personagem dar aquela dourada na pílula na hora de contar os feitos acadêmicos e profissionais. Mas, com os gurus isso ultrapassa todos os limites. O currículo de um deles certamente possui nomes que estão ali somente para impressionar: universidades da Ivy League, cursos que custam mais do que apartamentos e também ex- empregadores com fama de celebridades.

Muitas vezes é tudo uma grande mentira. Outras vezes é apenas uma história cuidadosamente montada para te levar a conclusões falsas. Quem não se lembra da polêmica em torno do currículo da desta empreendedora? Para quem ainda não está por dentro, vou resumir: a menina do vale era figurinha repetida em qualquer conferência de marketing e empreendedorismo lá por 2015. O que mais impressionava é que ela possuía um currículo quase inacreditável para sua pouca idade. Até que um dia, um curioso resolveu conferir os fatos e acabou descobrindo que muitos dos feitos dela eram apenas versões exageradas da verdade, e então ele fez um exposed detalhando todas as contradições no discurso da empreendedora. Ela se defendeu, mas não convenceu. 

E, como seu currículo inflamado funcionou por um bom tempo, seu exemplo bem sucedido foi seguido com maestria pelos gurus e, por isso, uma das grandes bandeiras vermelhas sinalizando um picareta são currículos que não sobrevivem a uma simples busca no Google.

Você não pode ficar de fora do hype

Os gurus se aproveitam do desejo mais primitivo do ser humano: a vontade de sentir-se parte de algo muito exclusivo. Então, a receita é fácil: você cria muita expectativa, apresenta sua solução com ares de segredo, cobra caro pela entrada, consegue dois ou três influenciadores bombados para gerar inveja nos demais e voilá! Seu golpe está pronto – cai quem quer.

Não posso deixar de citar o Fyre Festival como o maior exemplo disto. Promovido por celebridades, o festival foi anunciado como uma festa de alto padrão que seria realizada em uma ilha paradisíaca nas Bahamas. Os pacotes, que custavam até US$100 mil, prometiam acomodações de luxo. Mas, em vez disso, os participantes encontraram tendas de acampamento e refeições que se limitavam a sanduíches com duas fatias de queijo.  O organizador Billy McFarland, antes de ser considerado um criminoso e sentenciado a 6 anos de prisão, foi CEO de diversas startups hypadas e arrecadava fundos com investidores com relativa facilidade.

Eles são mestres de criar o hype, porque afinal o hype não precisa de muito conteúdo, apenas do mistério. Vale ressaltar que tudo é apresentado em uma embalagem de arrogância e afirmações passivo-agressivas que deixam claro que todo mundo que ainda não está aplicando seu método é um idiota atrasado. E com isso completam a lavagem cerebral que insinua que eles sozinhos redescobriram a roda e que o futuro depende exclusivamente de sua nova ferramenta. 

Você vai ficar rico com estes três passos simples

Outra emoção primordial que os gurus se aproveitam é o desejo de obter resultados rápidos com pouco esforço. Então eles prometem mundos e fundos. Dizem que você vai faturar seis em sete, que vai escalonar, ganhar milhares de seguidores, bombar seus infoprodutos e que só não fica rico seguindo sua cartilha quem não quiser. A solução dos gurus é capaz de resolver todos os seus problemas de forma rápida, fácil, indolor e por uma pechincha comparado aos maravilhosos resultados. Tal como nossos pais nos alertavam quando éramos crianças: quando a esmola é demais até o santo desconfia (ou pelo menos deveria).

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Um bom exemplo disto é a investidora que afirmava ter transformado R$ 1.520 em mais de 1 milhão em apenas 3 anos (!). E, apesar de ter sido flagrada na mentira e de ter virado meme em todas as redes sociais, hoje ela ainda mantém uma audiência considerável. Atualmente ela é influencer, tem pouco mais de 400 mil seguidores com conta verificada no Instagram, e se mantém na missão “de fazer com que todas as pessoas sejam ricas e consigam multiplicar seu patrimônio”. Pois é.

Os danos e as responsabilidades compartilhadas

Além de fazer seus clientes de trouxa, os gurus do marketing trazem danos muito graves ao mercado de marketing como um todo. Sendo os principais problemas:

Replicam conceitos errados: Para criar uma imagem de seriedade os gurus se utilizam de conceitos e autores renomados – desde Kotler até Simon Sinek. Mas, muitas vezes as teorias são apresentadas de forma incorreta, rasa ou incompleta. E então, milhares de pessoas aprendem desta forma e replicam sabedorias populares de marketing baseadas em mentiras. 

Quer um exemplo? Não, não é possível mensurar tudo no marketing digital. Os meios de comunicação tradicionais não vão simplesmente morrer. Redes sociais não são um meio para ganhar exposição sem investir. Branding não é o layout do seu feed feito no Canva. Primal Branding não é a solução mágica que te fará vender qualquer produto. Arquétipos não são personas. Personas não podem ser construídas sem dados. Dados sem análise não servem pra nada. Propósito não é só uma frase inspiradora. E por aí vai…

Deseducam os clientes: como os profissionais sérios explicam para seus clientes que não é possível ficar rico do dia para a noite investindo apenas 5 reais, enquanto tem muitos profissionais que ganham a vida fazendo justamente este tipo de promessa? Além de passar adiante conceitos errados, os gurus criam expectativas irreais sobre o trabalho do marketing.

Criam associações negativas: quem não tem medo de ser confundido com um desses gurus? Agora que muitos clientes já caíram no canto da sereia e voltaram para dizer aos demais que foram enganados, a má fama dos gurus marketing vai se replicando para toda a disciplina. 

Então, aqueles bons profissionais que de fato tem um bom currículo, que de fato oferecem muitos ganhos aos clientes e que de fato possuem metodologias próprias e conseguem sustentar o seu hype começam a ser encarados com descrença por seus pares. 

Fazendo uma autocrítica, existem algumas coisas que nós “profissionais sérios” podemos aprender com os gurus. A primeira delas é que o básico não é de domínio comum e que precisa ser repetido constantemente. Eu mesma já me senti receosa de falar sobre metodologias muito básicas do branding pela milésima vez e soar repetitiva aos meus interlocutores, mas toda vez que eu o fazia existia alguém que precisava daquele conteúdo para compreender todo o resto que viria depois.

O segundo aprendizado é que as pessoas estão sedentas por vitórias rápidas. E, mesmo que você saiba que muitos resultados dos esforços do marketing são de longo prazo, é preciso oferecer recompensas de curto prazo e ajudar as pessoas a entender a diferença entre elas e as promessas milagrosas. 

Mas infelizmente, mesmo que todos nós façamos uma mea culpa e que simplifiquemos nosso jeito de falar e vender ideias, ainda assim os gurus continuarão a deturpar o mercado e enganar pessoas. Seria ingênuo esperar que eles deixem de ocupar as oportunidades que lhe são dadas e monetizar ao máximo a exposição recebida. Por isso, nossa melhor arma contra eles ainda é expor suas artimanhas ao ponto de tornar seus golpes tão conhecidos que já não atraiam tantas vítimas. Controlar o alcance e influência dos gurus é uma responsabilidade que todos nós compartilhamos – e que não podemos ter medo de exercer. 

Para finalizar, existe uma frase popular que circula pela internet e acredito que ela se aplica perfeitamente para encerrar este artigo: por favor, pare de fazer pessoas idiotas ficarem famosas.

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