A era dos indivíduos como publishers

O empoderamento de uma classe criativa independente que monetiza o compartilhamento de suas paixões online representa uma mudança de paradigma no mercado de influência digital

Uma nova onda de comunidades digitais está desafiando os gigantes tradicionais da mídia social. Mais do que nunca, criadores estão compartilhando suas verdades e paixões online à procura de conexões com usuários cujos valores deem um match com os seus. Estamos adentrando na chamada “Economia da Paixão”, uma nova maneira de monetizar  a criatividade ao conectar criadores a comunidades engajadas. E esse novo modelo representa grandes quebras de paradigmas.

O mercado global de influência digital já representa 8 bilhões de dólares e é esperado que cresça para o patamar de 15 bilhões até 2022, como aponta a Mediakix. Só no Brasil, já são mais de 9 milhões de influenciadores digitais que conseguem influenciar diariamente 76% dos consumidores na hora de suas compras, segundo estudo da Spark em parceria com a QualiBest. Em um mercado cuja participação da influência online é tão expressiva, a YouPix indica que 71% dos anunciantes planejam investir ainda mais em anúncios digitais neste ano do que fizeram no ano passado.

Mesmo com esse cenário próspero, o ecossistema de influência está passando por grandes mudanças. Até há pouco tempo, marcas definiam internamente um conceito de campanha, identificavam influenciadores digitais e, mediante um pagamento, indivíduos usavam de sua influência aspiracional para promover o produto das marcas em seus perfis. Nomeada de “Economia da Atenção”, esse modelo já não é eficaz frente às mudanças comportamentais e de consumo das novas gerações. 

Eis o novo e melhorado ecossistema de influência: ao invés de linear, hierárquica e orientada pela publicidade, a influência atual se dá pela comunidade, engajamento e é guiada pela verdade. É um modelo que permite que criadores dediquem-se em oferecer conteúdos sobre os assuntos dos quais têm paixão, importantes tanto para eles quanto para a sua comunidade. Essa nova mentalidade põe em cheque redes sociais tradicionais e seus algoritmos que priorizam quantidade e não qualidade dos conteúdos. 

O Facebook construiu um império publicitário de 92 bilhões de dólares por ano vendendo espaços nas telas de 2.8 bilhões de usuários não pagos. O Twitter gera 3.4 bilhões de dólares anualmente dispondo anúncios ao longo do conteúdo editorial gratuitamente digitado por 350 milhões dos seus contribuidores. Em resposta, novas plataformas orientadas pelos criadores e suas comunidades estão remodelando a nossa interação e consumo de informações, empoderando criadores através da remuneração dos seus conteúdos. 

Blogueiros estão levando seus leitores para o Substack – serviço de newsletters pagas; designers de jogos digitais já podem vender suas criações na Roblox; jogadores já pagam para ver seus ídolos em partidas no Twitch; o Patreon possibilita a criação de comunidades de assinantes que monetizam a produção de criadores e artistas; celebridades vendem vídeos personalizados para fãs no Cameo; assinantes pagam por conteúdos eróticos e exclusivos no OnlyFans; e redes como Ko-fi e BuyMeaCoffee facilitam a remuneração de qualquer conteúdo digital, de um simples status até um streaming. Todas essas plataformas possuem um importante ponto em comum, além da monetização: possibilitam a construção de laços diretos entre criadores e suas comunidades – o maior valor para quem deseja construir relevância no meio digital hoje em dia.

Esses são alguns exemplos que negam a regra do algoritmo, projetado para comoditizar os usuários e os seus conteúdos através de uma série de regras que não priorizam a relevância ou o interesse da comunidade. Em um mundo tão diverso e de abundância de conteúdos, plataformas precisam encontrar maneiras de remunerar seus colaboradores ou se tornarão apenas um hub promocional que direcionará os usuários para onde criadores ganham pelas suas produções.

Nessa nova realidade, empresas e marcas precisam rever suas estratégias de publicidade, a fim de construir relações mais íntimas, prósperas e rentáveis com os criadores digitais. De acordo com um relatório da Protein Agency, a maior preocupação de 65% dos jovens sobre o mundo da influência é a autenticidade, ou seja, que o conteúdo de tal influencer é genuíno. A mesma pesquisa também mostra que a confiança em marcas caiu de 22% em 2017 para 4% em 2020, sendo “indivíduos” a opção com mais confiança do público – 53%. 

Para marcas crescerem em confiança do público, precisam se concentrar na sua autenticidade interna para, então, construir empoderamento externo. Somente assim será possível criar laços próximos e verdadeiros com os criadores desta nova era. Sem esse ponto de partida, qualquer ação publicitária não produzirá relevância a longo prazo no ambiente digital.

Influenciadores culturais estão sendo substituídos por stakeholders culturais, membros de comunidades distintas que são influentes por causa de suas experiências vividas – e não projetadas. Conforme o público se cansa de conteúdos superficiais, o papel da influência precisa mudar para algo mais significativo e conectado, em vez da projeção individualista e de uma imagem da ‘vida real’ que não parece mais real. 

E isso deve orientar também a conexão entre marcas e criadores. Dani Arrais, jornalista e sócia do @contente.vc, comentou na live Creators Day #6 que, ao mesmo tempo que marcas se preocupam com a autenticidade dos criadores, ainda estão engessadas em um modelo que não prioriza a construção conjunta do projeto. “Falta sair da lógica de contratar uma foto e três stories, por exemplo. Temos que visar uma colaboração a longo prazo, onde o creator comunicará a mensagem da marca mais vezes em um tempo mais extenso”, elucidou a jornalista.

Essa reorganização das dinâmicas de influência também humaniza os criadores de conteúdo. Para que marcas desdobrem suas ações digitais, é preciso entender que esses profissionais não são uma vitrine para a venda de seus produtos, mas uma pessoa com interesses próprios e que esses interesses são o principal elo entre o criador e sua comunidade. Eis a importância de marcas compreenderem seus próprios valores nessa nova lógica de influência.

Joicy Eleiny, jornalista e fundadora do perfil @soutipo4 que se dedica a dialogar nas redes sociais sobre a estética da mulher negra, também comentou na mesma live sobre os frequentes desalinhamentos de expectativas entre marcas e criadores. Na corrida do algoritmo, marcas acabam por responsabilizar inteiramente o influenciador pela entrega de métricas de sucesso da campanha. A obsessão por likes distrai gestores do atual indicador de uma boa ação: o potencial transformador do conteúdo. 

Como afirma Luiza Voll, publicitária, designer e sócia de Arrais na @contente.vc, a meta que marcas devem ter em mente é o quanto seus conteúdos estão engajando determinada comunidade. Em um universo em que números podem ser facilmente manipulados, a métrica principal se torna o impacto das conversas que você propõe ao seu público.

Nessa nova era onde paixões individuais têm o poder de formar comunidades engajadas e – principalmente – com estreitos laços de confiança, a influência adquire um novo significado. O futuro do capitalismo digital está nas mãos desses criadores que, por construírem comunidades nichadas, as entendem melhor que qualquer grande marca. Essa dinâmica impõe a necessidade de um maior esforço de diálogo e construção conjunta para a criação de ações que consigam suprir as demandas de todas as partes – dos criadores, seus públicos e das marcas que almejam permanecer relevantes. 

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