De volta aos clássicos: A Conversação (1974), de Coppola

Obra-prima de Coppola entre o segundo “O Poderoso Chefão” e “Apocalypse Now”, o filme fala de paranoia e solidão.

Em “A Conversação” (The Conversation, 1974), Harry Caul (Gene Hackman) é um especialista em grampos que vive sozinho e toca saxofone nas poucas horas vagas. Seu serviço é basicamente espionar pessoas. Em um desses trabalhos, Harry tem a sensação de que as informações obtidas podem custar a vida de um casal, e entra em um dilema se deve ou não compartilhar as gravações. 

Obra-prima filmada com extrema discrição e sensibilidade por Francis Ford Coppola entre o segundo “O Poderoso Chefão” e “Apocalypse Now”, na superfície ”A Conversação” versa sobre a paranoia que permeou a sociedade americana durante a década de 70, num tenso momento da Guerra Fria. 

Em camadas mais profundas, o que se tem aqui é um estudo meticuloso de um personagem solitário, e dependente do afeto das outras pessoas para se integrar a sociedade. 

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Gene Hackman e o diretor, Francis Ford Coppola

Harry desconfia de tudo e todos, mas num raro momento de sensibilidade, momentaneamente se entrega para uma desconhecida. Ele é o melhor na área, e quase implora para um colega de trabalho que se ressentiu continuar na equipe. 

A falta de tato de Harry para dizer o que sente, o que pensa ou meramente manter uma conversa banal quando alguém comenta sobre seu aniversário, cresce à medida que o seu controle por vigilância se eleva. 

Também roterista do filme, Coppola se aproveita de alguns elementos teóricos de “Vigiar e Punir”, de Michel Foucault, para mostrar um Panopticon contemporâneo. Essa estrutura apresentada no livro de Foucault, mas inventada pelo filósofo britânico Jeremy Bentham, é um presídio cujas celas e centro de vigilância são colocados de modo que um único guarda possa observar os prisioneiros sem que eles soubessem ao certo se havia alguém a observá-los…

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Harry acredita ser o guarda que tudo pode observar sem nunca ser notado; que não sucumbe ao peso do silêncio, mas usa-o como sua principal arma. O poder e a solidão são sinônimos. 

Inclusive, na genial cena de abertura do filme onde o espectador vê do alto uma praça e a câmera aos poucos se aproxima, Harry surge no canto inferior esquerdo, o lugar mais inapropriado na tela para se colocar um elemento de destaque. Harry ainda é atazanado por um mímico – um trabalhador que não usa voz pra se comunicar – até que o público finalmente entenda que ele está bisbilhotando um casal. 

A poderosa trilha de David Shire, com um dos solos de piano mais copiados do cinema, cria uma tensão que vai do começo ao fim do filme. O trabalho de som também é magistral. Ruídos invadem a cena como interferências de áudio de um equipamento rastreador. 

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Coppola também movimenta sua câmera como se ela fosse um item de segurança. Os movimentos são laterais e calmos, sempre à procura de algo. Essa técnica, munida dos ambientes vazios onde Harry vive, expõe as questões internas do personagem de maneira impaciente e sugestiva. E na clássica cena onde Harry tenta dividir uma angústia com uma mulher e Coppola repete o mesmo movimento três vezes, ele adiciona quase um elemento mítico. Na simbologia, 3 é o algarismo que representa a comunicação. É também o número de vezes que o apóstolo Pedro negou Jesus antes da crucificação. Há múltiplos significados – muitos o diretor nem pensou – mas o alvo é atemporal.

Visto mais de 40 anos depois do lançamento, e em um tempo onde a privacidade das pessoas fica cada vez mais rala, Coppola adiantou o debate sobre o valor das informações e o poder delas para moldar o mundo. 

Se Harry não consegue falar o que sente, tampouco pode dizer o que sabe. A tensão da segunda parte do filme é toda criada em cima da sua certeza de que alguém será morto pelo seu cliente e de que é sua função, talvez, impedir que o crime aconteça. Se calar é consentir, Harry está disposto a rever a máxima, mas agindo como um juiz inverso, que não acusa, que não diz nenhuma sentença, embora queira definir a vida dessas pessoas com sua lei invisível. 

Para vigiar e punir, Harry

No final de “A Conversação”, já tomado pela desordem e sem saber se é observado ou não, Harry vira prisioneiro de si mesmo. A solidão é também sua forma de pagar pelos seus pecados, mesmo que ele não vê necessidade de confessá-los abertamente, nem para o padre, do qual é devoto, nem para a mulher que ele ama, nem para os amigos. O universo de Harry, seus desejos de libertação ou paranóias, existem sob a mesma prisão. 

Harry tem algo a dizer. Mas quem pode ouví-lo também é priosineiro. 

Onde assistir: Telecineplay, NOW.

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