No poderoso “Marighella”, o Brasil de hoje é confrontado com o seu passado repetitivo

Dirigido por Wagner Moura, o filme é uma das estreias em cartaz nos cinemas do país.

Um dos principais líderes da luta armada contra a ditadura militar brasileira, Carlos Marighella viveu e morreu com a certeza de que o regime era o maior inimigo do Brasil, e não ele. Títulos à parte, o filme sobre a vida do revolucionário, “Marighella” (2019), retrata os últimos anos de vida dele à frente da Aliança Nacional Libertadora, o movimento que ele fundou e liderou até sua morte, em 4 de novembro de 1969. 

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Logo na abertura o diretor, Wagner Moura, dá o tom: um plano-sequencia genial de Marighella e os demais integrantes da ANL assaltando um trem em movimento. Tensa, soturna e vigorosa, a abertura, de algum modo, emula o filme inteiro. “Marighella” não deixa o espectador respirar, se acomodar, e exige um estado de alerta como se estivéssemos dentro da cena.

Isso se reflete no elenco. Seu Jorge, ótimo como o protagonista, anda com fúria, mas diz com doçura. Olha pros companheiros com pesar, mas aconselha com vingança. Não deixa brecha pra uma paz comprada. Sabe que a única garantia de continuidade da luta é sua própria vida e precisa inspirar o movimento para que a luta não termine com sua morte. É um trabalho complexo, delicado e sobretudo muito firme. Luiz Carlos Vasconcelos, Huberto Carrão e Herson Capri também se destacam. O mais inexperiente do grupo, o Pastor Henrique Vieira, faz o papel de Frei Henrique, e é uma surpresa. Usando sua timidez como arma, é dele que vem uma das grandes cenas do filme: na igreja, Henrique explica para Marighella porque tem certeza que Jesus foi um homem negro. Só Bruno Gagliasso que exagera na dose fazendo o delegado que persegue e mata Marighella.

Seu Jorge e Wagner Moura em Mariguella
Seu Jorge e o diretor, Wagner Moura

Não é um problema. O controle de Wagner Moura como diretor pra lidar com tantos fatos históricos sem deixar o ritmo do filme cair, mas também ser flexível entre a tensão e o suspense, o drama e a sutileza, é imenso. Brincar com os nomes dos atores como se eles fossem os pseudônimos dos personagens e até importar “Jorge” como um desses pseudônimos, é uma grande esperteza narrativa. 

Também ator, Wagner filme as cenas como pequenas peças de teatro: tudo em planos longos, quase como se toda cena fosse um plano-sequência apartado. O trabalho de edição liga essas pequenas ilhas em um arquipélago dramático que nunca fica solto, perdido ou isolado; tudo se completa na história de Marighella, condensados nos seus últimos anos de atuação e vida. 

Provavelmente, muitos dados e fatos importantes contidos na biografia de mesmo nome, escrita por Mário Magalhães e que serviu de base, ficaram de fora. Não é um defeito. 

Fazendo um filme vigoroso, e que versa sobre 1964 sem descuidar de nenhuma referência aos tempos atuais, tratadas sem didatismo e sim com elegância, sutileza e importância, Wagner Moura lembra que depois de tantos anos passados, Marighella não está mais vivo, mas a luta dele não mudou. 

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