Esqueça influenciadores. O futuro é curadoria

Produção de um ou de um planeta inteiro? A diferença que reside em propósito e autenticidade.

Não é um post confortável. Nem deve ser muito popular. Influenciadores são grandes apostas e fruto de muito investimento da indústria da comunicação pela própria sobrevivência.

Mas… sob a ótica de quem CONSOME esse conteúdo, a percepção de relevância e valor do que circula por aí pode ser outra.

O Update or Die (só para dar um exemplo próprio) nasceu em 2005, com uma proposta de curadoria, numa época anterior ao desgaste e banalização pelo excesso de uso dessa palavra.

Como fundador e editor, meu propósito sempre foi – e ainda é – encontrar o bom conteúdo, seja daqueles cabeçudos ou o puro entretenimento de qualidade. E colaboradores com esse mesmo perfil, para alimentarmos essa comunidade e desenvolver repertório e ampliar sempre nossa capacidade criativa e produtiva de modo geral.

E acho que a cada ano que passa, esse propósito fica mais e mais relevante.

A premissa é fácil de entender:

Você acha que o mundo está carente de gente produzindo conteúdo?

Tem pouco video disponível?

Tem pouca gente falando?

Tem pouca gente se manifestando?

Tem pouco texto circulando?

Acho que ninguém tem dúvidas quanto ao volume insano que passa diante de nós desde que a internet (mais especificamente a 2.0) passou a fazer parte das nossas vidas.

O ser humano sempre produziu conteúdo individualmente desde o tempo do Piteco, mas nunca com o alcance e abrangência de hoje.

No dia em que inventamos o navio, inventamos também o naufrágio.

É daquelas coisas que são boas, mas que têm um algo de ruim derivado da sua mera existência.

No caso, ruído.

Você dá um pandeiro pro Jackson do Pandeiro e é pura alegria. Você chama mais 100 pessoas, dá um pandeiro pra cada, coloca todo mundo na mesma sala. Vira puro pesadelo.

O volume de manifestações gera “poluição”, palavra que vem do Latim POLLUERE, e que significa “comprometimento da pureza”.

Ou seja, quanto mais produzimos, mais diluímos o escasso conteúdo bom no abundante conteúdo ruim.

Só isso já justificaria a curadoria. A famosa busca da agulha no palheiro.

Mas a coisa fica ainda pior quando colocamos dinheiro nessa equação. Afinal, comercializar o palheiro é bem mais lucrativo do que comercializar as agulhas. Pelo menos no modus operandi vigente, impulsionado por marcas, agências de publicidade e veículos de comunicação, que continuam usando critérios quantitativos em detrimento – quase que total – dos qualitativos. É o mkt “data-driven”, buzzword de impacto, mas que tem o poder de acabar com o bom conteúdo que, geralmente precisa ser impulsionado.

Libere uma criança com $ no supermercado. O que acontece?

Afinal, coloque uma criança no supermercado e diga a ela que pode encher o carrinho com o que quiser. O que você acha que ela vai pegar? E isso sem falar em click baits, influenciadores que são na verdade vendedores antes de qualquer coisa, etc.

Por experiência própria: uma coisa super comum e que testemunhei nesses 15 anos como editor dessa comunidade é que tem sempre aquele autor que começa escrevendo posts incríveis e que, um belo dia, casualmente, publica um tópico mais popularesco e as reações aumentam muito.

Os likes explodem (pelo tópico, não pelo post), mas a partir daí começa um processo de “virar tabloideiro” do autor, que passa a escrever para ser popular e não mais como uma manifestação autêntica de algo legal que achou por aí.

Alguns embarcam nessa mas voltam. Outros são enfeitiçados pela vaidade e narcisismo e iniciam assim sua escrita “influencer”. Que aliás é um termo errado porque tem mais a ver com popularidade e alcance (critérios quantitativos) do que com influência propriamente dita (critério qualitativo).

Faria mais sentido chamar de “pescador” do que “influenciador”.

Então, voltando pro garotinho com o carrinho, temos (1) um hipermercado com milhares de novos corredores brotando diariamente e (2) produtos açucarados ao alcance das mãos.

Mas o carrinho – que é a nossa capacidade de prestar atenção, absorver e consumir e carregar coisas – é o mesmo. Esse não cresce.

É só parar pra pensar um pouco: você acha que o conteúdo que circula com mais desenvoltura por aí é aquele que tem um valor intrínseco (um ótimo artigo, ou uma série especialmente bem feita, por exemplo) ou aquele que tem maior potencial de alcance (tipo um ex-BBB)?

Se a gente tivesse um aparelho de medir autenticidade, como será que esses dois tipos de conteúdo pontuariam? Repare que nem estou falando de valor intelectual. Meu questionamento é na verdade da manifestação criativa desse conteúdo.

É fato que influenciadores viram, invariavelmente, vendedores. Mesmo aqueles que iniciam com uma proposta genuína. Mas assim que os números aumentam (muitas vezes artificialmente), se transformam em veículos comerciais.

Mas isso é de todo errado?

Não necessariamente. As pessoas podem sim ser remuneradas para publicar alguma coisa. Ou até para se auto-promover. O problema é quando isso acontece de forma velada e explorando a boa fé das pessoas. Fãs, no caso. Também conhecidos como o target com conversão mais fácil, justamente porque estão “under the influence”.

Editoria nasceu como curadoria. Hoje é produto comercial de influência

Durante a maior parte da curta história da sociedade moderna, a informação e a mídia foram controladas por gatekeepers, os “porteiros” que controlavam as portas do que a gente poderia ou não vivenciar, organizações que escolhiam o que era publicado, produzido e distribuído.

Essas organizações ganhavam esse status porque investiam um considerável capital para construir os meios de produção e distribuição necessários para alcançar o público. Sem um gatekeeper desses, estruturados, não era possível divulgar notícias, informações, conteúdo ou entretenimento para as massas. 

Além de viabilizarem o aspecto operacional entre conteúdo e público (daí o termo “veículo”) esses gatekeepers acabavam acumulando um poder editorial de curadoria, já que sempre foi preciso filtrar o excesso de informações disponíveis. Neste cenário, as pessoas tinham acesso a uma quantidade finita de conteúdo, empacotada de acordo com critérios de organizações e assim se criou uma relação passiva com o consumo de informação, que chagava pelas mãos da mídia tradicional (jornais, estações de rádio e TV aberta).

E assim se desenhava a dieta básica de consumo de conteúdo da grande maioria das pessoas.

Você assistia ao Jornal Nacional e tinha uma sensação de que estava sabendo de tudo o que tinha acontecido naquele dia. Sem qualquer questionamento e sem sequer pensar que poderia ter algum viés nessa entrega. Modo samambaia na frente da TV, passividade total.

Hoje sabemos que a democratização da circulação das informações através dos cidadãos comuns impôs um ajuste na imprensa mundial que precisou se aproximar do universo do entretenimento para poder sobreviver, uma manobra perigosa do ponto de vista da essência do jornalismo, mas necessária como modelo de negócio. A imprensa já não “dá” a notícia porque algum cidadão comum já fez esse papel. A imprensa agora trabalha em como empacotar essa notícia. Opinião, claro, sempre foi parte fundamental no jornalismo. Mas era algo complementar aos fatos. Hoje é produto de entretenimento, com todos os recursos desse universo (drama, cliff hangers, plot twists, apresentadoras lindas, etc)

O fim dos Porteiros

Agora, os porteiros se foram (mais ou menos). A internet viabilizou a distribuição instantânea de conteúdo em todo o mundo, enquanto a tecnologia permitiu que qualquer pessoa com um computador criasse músicas, vídeos, posts, livros, artigo, podcasts e até videogames.

As informações estão mais acessíveis do que nunca e a maior parte fica disponível instantaneamente em escala global. Parte disso é produzido “profissionalmente”, mas a enorme maioria é “amadora” (e, para complicar, assim que começa a evoluir para algo mais profissional ganha uma característica comercial rapidamente). Ao mesmo tempo, temos acesso a quase tudo isso! Como podemos chegar até o conteúdo mais legal em meio a tantas opções e com as piores sendo impulsionadas?

Então qual é a diferença entre um influenciador e um curador?

Curadores não querem aparecer. Querem mostrar.

Curadores satisfazem sua vaidade pela qualidade dos seus achados. Que nem aquele seu amigo(a) que sempre acha um som diferentão, uma banda nova, um filme esquecido mas que é ótimo, ou um objeto garimpado em alguma feirinha. Ele ganha fama e reputação pelas coisa que encontra, pelo critério afiado. E não polindo sua própria imagem.

Curadoria é um processo, não um produto.

Curadores são indivíduos que encontram, organizam e compartilham seus conteúdos favoritos de maneira autêntica — e não porque estão sendo pagos para vender um determinado produto. Pelo contrário: não colocam seu critério e seu filtro em risco, promovendo algo por dinheiro.

A não ser quando promovem algo que realmente gostam (o que é apontado como a evolução de modelo de influência para uma dinâmica muito mais verdadeira e duradoura).

Curadores sabem que seu asset mais precioso é a sua reputação. Por isso fazem questão de ser imparciais, não afiliados (ou, se for o caso, deixam isso claro) e autênticos em suas recomendações.

E mais: a maioria dos curadores não gasta tempo tentando te convencer de nada. Apenas vão mostrando coisas. Educam através de cases, de achados, através de exemplos. E não por propaganda. A tal “influência”, nesse caso, é a consequʼancia e não o fim.

Por que a curadoria é o futuro?

O aumento no volume de conteúdo já deixou claro pra todo mundo que não dá pra consumir tudo. nosso carrinho mental tem o mesmo tamanho. O que falta é estabelecer um critério mais sofisticado nessa filtragem. E para aperfeiçoar o filtro, o primeiro passo é seguir os curadores (os de verdade).

Consumidores não são burros. E a cada dia que passa, um número maior de pessoas enxerga as reais motivações por trás de cada conteúdo.

Curadores tem uma abordagem channel-less. Ao contrário dos influenciadores — que constroem bases de público baseadas em plataformas como Instagram e Tik Tok — curadores funcionam em qualquer lugar. Funcionavam na vida real muito antes da internet. Como aquele cara que te dava uma dica no intervalo das aulas na escola, ou aquele outro que compartilhava coisas interessante nos corredores do trampo.

Por aqui, chamamos nossos curadores de “updaters”. E sempre repito que isso não é um jeito moderninho de chamar os colaboradores, nem um cargo. É uma característica. Faz parte da personalidade. E o meu papel é simplesmente tentar achar essas pessoas e trazê-las pra perto.

E pra você que trabalha com posicionamento e comunicação de marcas, produtos e serviços, seja como executivo de marketing ou um profissional de agência, fica aqui a minha provocação para uma reflexão do valor da autenticidade nos seus esforços. Durante muito tempo fomos vistos como propagadores de mentiras e ilusões e temos a oportunidade de criar uma nova dinâmica de consumo, baseada em valores mais reias e duradores com nossos consumidores. E assim, trabalharmos por uma sociedade melhor e mais justa, não apenas por sinalização de virtudes como a maioria faz hoje em dia, mas sim, PRA VALER.

Vamos circular o conteúdo edificante, cabeçudo, divertido, briguento, ativista… não importa. Mas que seja real.

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