Livro: Meu Ano de Descanso e Relaxamento

Escrito por Ottessa Moshfegh, o livro é um ácido retrato sobre o vazio da geração millennial

Sem nome, a protagonista de “Meu ano de descanso e relaxamento”, (editora Todavia, 240 páginas), da americana Ottessa Moshfegh, resolve dar uma pausa na vida e dormir. Ou melhor, ela vai evitar à vida dormindo por um tempo considerável. A bem da verdade é que o experimento zumbi é um traço contemporâneo de como lidar com depressão e o sofrimento.

Branca, com um saldo na conta que permitisse isso, com pais já falecidos, mas com uma história cercada de privilégios, a entrega da protagonista poderia muito bem ser taxada de um “white people problem”, como são chamados os problemas fúteis de pessoas que pertencem a elite. Mas Ottessa Moshfegh começa sua crítica ácida justamente daí. O descanso da protagonista não seria possível em outra realidade, e suas crises existenciais também partem de um princípio amargo: ela não tem pelo o quê sofrer. 

A autora atualiza um conceito que nasceu no século passado pelas mãos do escritor russo Ivan Turgueniev. Foi em “O diário de um homem supérfluo” que a palavra apareceu pela primeira. Para ele, era uma forma de definir pessoas que tinham certa estrutura social, mas que não conseguiam fazer nada com ela. Não tinham capacidade produtiva para transformar o próprio privilegio em causa, em caminho. 

Naquela época, a Rússia vivia um período repressivo muito grande. Quem ousava ir contra, era eliminado. Isso fez com que a população, em especial os homens, perdessem o ânimo. 

O livro de Ottessa Moshfegh se passa nos anos 2000, em Nova York. A autora então usa essa época de início da internet, do fim dos movimentos artístico de relevância, a completa anestesia da população e a forma medicada de viver, para entender a falta de ânimo que pouco a pouco nos corrompe. 

Meu Ano de Descanso e Relaxamento
Ottessa Moshfegh

A linguagem de “Meu ano de descanso e relaxamento” suga as referências pop e o estilo plastificado da vida atual para que o leitor entenda o tamanho do tédio, da vida superficial que a protagonista leva. Se isso ajuda na relação dela com a psiquiatra, a hilária e sem noção doutora Turtlle, de longe a melhor personagem do livro, fica devendo na dinâmica de outros dois personagens centrais, o namorado abusivo, Trevor, e a amiga, Reva. 

Enquanto Trevor e a junção do que há de mais depreciativo em um homem, Reva é a amiga sem dinheiro e periférica que inveja os privilégios da protagonista o tempo inteiro. 

A protagonista não precisa do namorado. Mas ele dá o pouco de emoção depreciativa de que ela precisa. Já Reva, com sua admiração fake e invejosa, é obcecada por remédios pra emagrecer, pela magreza da protagonista e pelas roupas caras que ela tem. 

Ottessa Moshfegh não parece interessada em entender Reva, ou como ela reage à protagonista sem nome. É uma pena porque Reva é o oposto, é quem sofre e não pode dormir, quem não tem espaço para divagar filosofias e gastar a vida dormindo. Se Reva tivesse mais espaço, “Meu ano de descanso e relaxamento” seria outro livro. 

Com a linguagem em primeira pessoa, o egoísmo da protagonista é quase insuportável. É aí que “Meu ano de descanso e relaxamento” perde fôlego. Dando voltas no tema, sem saber muito mais o que tirar de uma personagem tão autocentrada, a autora finalmente bota sua personagem pra dormir. 

Toda a sequência é muito rápida e escrita como uma crítica à exposição e a arte contemporânea, já que a protagonista escala um conhecido seu e  artista plástico pra ir a cada três dias em sua casa deixa pizza e água. Ela trabalha (ou trabalhou) em uma galeria de arte onde o tal artista expõe. 

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A personagem acorda muito próximo do 11 de setembro, em 2001. Ottessa Moshfegh achou pertinente dar essa picadinha para o atentado e fecha o livro com um capítulo curto e grosso que puxa o tema. 

Não faria diferença se ele fosse cortado da edição final. A forma idiotizada e medicamentosa dos americanos viverem, e a violência adormecida desse mesmo período, já estavam bem distribuídos ao longo da história.

Na contra-capa, uma revista americana chamou “Meu ano de descanso e relaxamento” de uma mistura entre “Sex and the city”, a série da HBO, e “Réquiem para um sonho”, filme do diretor Darren Aronofsky. Faz sentido. O livro segue bem nesse retrato sobre os millenias e descrito por uma personagem millennial. Não é nem surpreendente, nem emocionante. Mas é fiel no retrato de uma geração que não surpreende com nada e se emociona às custas de muitas drogas e “relaxamento”. 

Talvez, esse seja o mérito. 

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