Mil livros por um milhão de anos

Há uma frase atribuída a Albert Einstein (que, assim como Clarice Lispector, parece ter dito muito mais frases do que o tempo de vida permitiria =D ), que diz “Não sei como será a Terceira Guerra Mundial, mas sei como será a Quarta: com pedras e paus“. 

Esta frase (também atribuída a um tenente do exército) surge em meio à corrida armamentista nuclear, pós 2a Guerra Mundial, ainda às sombras das explosões de Hiroshima e Nagasaki, e com a justa preocupação de que um conflito nuclear tem o potencial de varrer a boa parte da vida no planeta.

DJEA9YsG7zpPWdHPHtfwVd0VGkk hPYyk9zAowfIHOGwa3 5t5DXzRXK6UJRGKInxtIpQ2HMHBEkFF2Q6m0a3tzWlDjJQlc5wYRN8w5OPGNAU

Não apenas a belicosidade humana, mas a fragilidade de nossos corpinhos baseados em carbono é reforçada a cada desastre natural e projeções cataclísmicas de médio e longo prazo. O ponto é: pode ser que a qualquer momento a civilização como a conhecemos deixe de existir. Assim como, ainda que em proporções menos extintivas, os impérios egípcio, grego e romano são representações históricas do que, à época, deveria durar para sempre.

Quando o contemporâneo vira história, seus hábitos, regras e cultura são ressuscitados em registros escritos escavados pelas novas civilizações que tomaram seu lugar.

E como suas histórias são contadas?

Bem, o aprendizado e a memória passam invariavelmente pelo registro dos acontecimentos factuais e pelas criações ficcionais que moldam os desejos humanos ao longos das centenas de milhares de anos em que nossa espécie habita essa rocha flutuante no espaço.

A representação das percepções humanas (reais ou ficcionais) tomaram vida por meio das pinturas rupestres, da escrita cuneiforme, da invenção da imprensa (e a consequente popularização do conhecimento), chegando aos dias de hoje, quando uma parte gigantesca de nossos registros é feita no formato digital.

Desde artigos científicos seminais a memes de gatinhos, bits e bytes são armazenados em máquinas leitoras de 0s e 1s, rodando a partir da eletricidade gerada por outras máquinas.

O registro de nossa era existe em dispositivos que podem ser corrompidos com uma tempestade solar ou um pulso eletromagnético nuclear. Ou seja, no caso de um cataclisma ou um evento devastador causado pela própria raça humana, como a próxima geração de seres evoluídos (ou os ETs que apareçam, vai saber…) poderá compreender como esta civilização devastada viveu sua breve experiência no planeta.

Já dizia o meme: será que arqueólogos, daqui a milhares de anos, irão concluir, baseados em escavações, que convivemos em harmonia com uma espécie de ratos gigantes?

DZ7U RJjP80T8PTmMYJZUiW NgrEiKvLrFgXJ7 ySePtni2ev0r0VYD0zLwZ9TjM xa6 Pm6OGKWOyJ5mrvygbZ1Pp8eibrJSIbR4OmoGKIi1XMbRHL4D3LkhuB
Será que arqueólogos, daqui a milhares de anos, irão concluir, baseados em escavações, que convivemos em harmonia com uma espécie de ratos gigantes?

PROTEGENDO REGISTROS HISTÓRICOS DO FUTURO

Um famoso projeto cujo objetivo é proteger o futuro da humanidade está localizado na Noruega, o Global Seed Vault, um cofre contendo mais 1,5 milhão de sementes que podem ser usadas para reavivar espécies extintas. Também os noruegueses encravam na ilha de Svalbard o World Artic Archive, o protetorado de informações sobre a humanidade capaz de suportar 500 a 1.000 anos de ingerências humanas.

Outro projeto, porém, traz ambições mais duradouras para proteger os registros humanos. Liderados por um ceramista da cidade de Gmunden, austríacos deram início há alguns anos a uma curiosa iniciativa chamada Memory of Mankind (MOM) e sua derivação: Mil livros por um milhão de anos.

Sua missão: gravar 1.000 livros considerados relevantes para a humanidade (e outros registros enviados por participantes do projeto) em um formato menos suscetível à destruição em eventos cataclísmicos: cerâmica.

​​x rb8VygrlJQOGJxZ9jRd8e2l4PYIddIlLbKVh GCtbCUheoft6hCZQvQhv M1a1LLrHTbCMH8jcxSpsXHCCiS 3z3UgzIW9ny2EeWt6ApH1V wU7mocph5C9PpDPe9jdw13sya

Para isso, usam duas técnicas: fotografias e ilustrações são gravadas em 300 dpis com uma tinta especial em placas cerâmicas; textos e imagens monocromáticas em um microfilme cerâmico de 20 x 20cm, capaz de registrar 5 milhões de caracteres cada. Para ajudar os investigadores do futuro, orientações pictográficas (imagens e seu correspondente textual) foram adicionadas ao material, bem como a localização dos depósitos de lixo nuclear no planeta (imagina uma barata evoluída estar buscando registros deste do homo sapiens ‘extinctus’ e se deparar que nossa sujeira nuclear).

MoM2
Microfilme de cerâmica do projeto Memory of Mankind

Estes registros ficarão guardados em uma mina de sal na montanha Palssen, cidade de Hallstatt, na Austria, 2 quilômetros abaixo da superfície e protegidos de distúrbios naturais e não-naturais. A expectativa é que, nestas condições, os registros durem 1 milhão de anos.

Esta base funcionará como uma cápsula do tempo dinâmica. A cada 50 anos, a partir de 2070, os colaboradores do projeto decidirão sobre a relevância do conteúdo armazenado e a necessidade de incluir novos registros.

OKANkG4ZajU7H13ZqjnHFPEPhPGIFGZpksQkvGqsJvWQdr3J kUNOAooWH6uIercbx8pe0MpHo 2GCJQtgDFJlKNbOXUQczRGIFXK XNyg2IQD36gJMOUK

Os idealizadores do projeto não se colocam como um backup de conhecimento da humanidade, mas um complemento aos registros de bibliotecas nacionais, sobretudo para os dados produzidos primordialmente em formato digital no século XXI.

Em tradução livre a partir de um de seus textos, esperam “deixar para os netos e civilizações além da era digital um presente e não apenas lixo nuclear, aquecimento global e latas vazias de energéticos”

Mais sobre o projeto no vídeo abaixo e no link: https://www.memory-of-mankind.com/

Receba nossos posts GRÁTIS!
Mostrar comentários (3)

This website uses cookies to improve your experience. We'll assume you're ok with this, but you can opt-out if you wish. Accept Read More