Pensamento crítico e educação no ambiente digital (mas não só)

Em um ambiente marcado pelas tecnologias de informação e comunicação, pensar de forma crítica se torna particularmente essencial.

Inúmeros teóricos reconhecem na educação para o pensamento crítico a própria razão de ser de qualquer projeto em educação (Caetano, 2019). É o caso de Buckingham (2018, citado por Caetano, 2019), para quem a finalidade da educação é desenvolver cidadãos críticos, sendo a própria expressão “pensamento crítico” uma espécie de tautologia.

“É extremamente raro encontrar, pelo menos no campo da educação, alguém que não concorde com a importância do pensamento crítico”

(Buckingham, 2018, p. 1, citado por Caetano, 2019, p. 48).

Para Delors et al. (1998), a educação deve preparar os humanos para pensar autônoma e criticamente, habilitando-os a formular seus próprios juízos de valor e decidir como agir nas mais diferentes circunstâncias da vida.

Para que possamos “compreender a crescente complexidade dos fenômenos mundiais, e dominar o sentimento de incerteza que suscita, precisamos, antes, adquirir um conjunto de conhecimentos e, em seguida, aprender a relativizar os fatos e a revelar sentido crítico perante o fluxo de informações” (Delors et al., 1998, p. 47).

Mas o que seria o pensamento crítico?

Para Gilster (1997, p. 87, citado por Valle e Abranches, 2010, p. 5), “uma atividade mental de avaliação de argumentos ou proposições e juízos que podem orientar o desenvolvimento de crenças e ação”. Na visão de Facione (2000, p. 61, citado por Valle e Abranches, 2010, p. 6), “as habilidades cognitivas de análise, interpretação, inferência, de explicação, avaliação, de acompanhamento e de corrigir o próprio raciocínio estão no cerne do pensamento crítico”.

Em um ambiente marcado pela intensa presença das novas tecnologias de informação e comunicação (NTIC) — cujo epítome é a web —, pensar de forma crítica se torna particularmente essencial.

“Pensar criticamente seria de grande utilidade para quem está sendo exposto a um turbilhão de informações, diariamente, através da internet”

(Valle e Abranches, 2010, p. 5)

Assim, devido à grande quantidade e alta heterogeneidade das fontes disponíveis na web, o pensamento crítico seria a mais importante habilidade do usuário da rede (Valle e Abranches, 2010).

Se conhecimento poderoso “é aquele que permite o pleno exercício da cidadania, do pensamento crítico e da inserção social e econômica” (Young, 2007, citado por Bacich e Moran, 2017, p. 322), há então muito trabalho a ser feito ainda para que se possa produzir esse tipo de conhecimento transformador. Isso porque, com o aumento “do uso de tecnologias na escola, muitos professores se dão conta – embora ainda sem saber o porquê – que os alunos não possuem as habilidades de letramento e crítica necessárias à pesquisa, seleção e armazenamento de informações úteis na internet” (Valle e Abranches, 2010, p. 2).

E, junto à questão do letramento digital — o domínio do uso das ferramentas digitais —, há ainda o aspecto da fluência digital: “. . . ser fluente é saber usar as ferramentas digitais, saber encontrar novas ferramentas, sabe aprendê-las, ferramentas que você vai continuar a ter de descobrir e aprender ao longo da vida, saber justificar as suas escolhas técnicas e estéticas” (Caetano, 2019, p. 182).

Para que os estudantes pesquisem de modo eficiente e eficaz utilizando a internet e as demais NTIC, é necessário que estes desenvolvam “novas habilidades de leitura e compreensão” (Valle e Abranches, 2010, p. 2). Ao estudar cinco teóricos do movimento pelo ensino do pensamento crítico — Ennis, Bayer, Paul, Lipman, Gubbins —, Piette (1996, citado por Caetano, 2019) formulou um inventário com nove habilidades cognitivas para o desenvolvimento do pensamento crítico, inclusive no ambiente da web.

Nove habilidades cognitivas para o desenvolvimento do pensamento crítico

1. Expor as questões e avaliar os conceitos;

2. Diferenciar os elementos de uma argumentação;

3. Levantar os problemas importantes e esclarecer questões e crenças;

4. Avaliar a credibilidade das fontes;

5. Avaliar a credibilidade das informações;

6. Avaliar os pressupostos implícitos;

7. Ajuizar a validade lógica de uma argumentação;

8. Fazer conclusões e formular hipóteses;

9. Formular de maneira pessoal uma argumentação (Piette, 1996, citado por Caetano, 2019).

Sam Wineburg (2021), professor de educação de Stanford, ressalta a importância de se lançar mão do pensamento crítico na análise dos conteúdos disponíveis na rede — ele se refere a isso como a habilidade de “usar a internet para ler a internet”. Isso porque, por exemplo, nem sempre o proprietário de um site é o seu autor (Wineburg, 2021). Além disso, “as referências que conferem legitimidade podem ter pouco a ver com as afirmações feitas. Sinais de credibilidade, como um domínio ponto-org, podem ser obra de arte de um especialista em relações públicas de Washington D.C.” (Wineburg, 2021).

Portanto, o pensamento crítico — habilidade que permite analisar, interpretar e avaliar informações — é um elemento fundamental da educação, no sentido mesmo de ser um de seus fundamentos ou alicerces. E, no contexto contemporâneo, atravessado pela web e pelas demais tecnologias de informação e comunicação, mais do que nunca essa forma de pensamento é essencial para a validação (ou não) das informações recebidas do ambiente (seja ele físico ou virtual) e para a produção de novos conhecimentos.


Referências Bibliográficas

Bacich, L, & Moran, J. (orgs.). 2017. Metodologias Ativas para uma Educação Inovadora: Uma Abordagem Teórico-Prática. Disponível em: https://curitiba.ifpr.edu.br/wp-content/uploads/2020/08/Metodologias-Ativas-para-uma-Educacao-Inovadora-Bacich-e-Moran.pdf. [Acessado em 04 de janeiro de 2022]. 

Caetano, L. (2019). Desenvolvimento do pensamento crítico na mídia-educação: um estudo de quatro experiências da cidade de São Paulo, à luz de fundamentos teóricos dirigidos à autonomia crítica (Dissertação de Mestrado). Disponível em: http://tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/2048/2/Lucia%20Caetano2.pdf. [Acessado em 04 de janeiro de 2022].

Delors, J., Al-Mufti, I., Amagi, I., Carneiro, R., Chung, F.,  Geremek, B., Gorham, W., Kornhauser, A., Manley, M., Quero, M. P.,  Savané, M.A., Singh, K., Stavenhagen, R., Suhr, M. W., & Nanzhao, Z. (1998). Educação, um tesouro a descobrir. Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI. Disponível em: http://dhnet.org.br/dados/relatorios/a_pdf/r_unesco_educ_tesouro_descobrir.pdf. [Acessado em 04 de janeiro de 2022].

Valle, L. H. C. N., & Abranches, S. (2010). Pensamento crítico na web: trajetórias da pesquisa escolar. Disponível em: http://www.nehte.com.br/simposio/anais/Anais-Hipertexto-2010/Lucia-Helena-Cavalcanti-Valle.pdf. [Acessado em 04 de janeiro de 2022]. 

Wineburg, S. (2021, 23 de Maio). Para sobreviver na internet, é preciso ter senso crítico – e saber ignorar. Poder360. Disponível em: https://www.poder360.com.br/midia/para-sobreviver-na-internet-e-preciso-senso-critico-e-poder-de-ignorar/. [Acessado em 09 de janeiro de 2021].

Pati Rabelo

Graduada em Comunicação Social e mestranda em Tecnologias Emergentes em Educação. Pós-graduada lato sensu em Psicanálise e em Psicologia Junguiana. Pesquisadora e roteirista. Atuou como editora de livros entre 2006 e 2017, gerenciando a publicação de cerca de 115 títulos, entre obras de psicologia, psicanálise, livros jurídicos e literários. Neste mesmo período, entre a edição de um livro e outro, escreveu sobre temas como imagem, cultura e tendências de consumo em veículos como Update or Die, O Povo, O Futuro das Coisas e Digestivo Cultural, entre outros.

Desde 2018, desenvolve projetos audiovisuais e podcasts, tendo estreado como roteirista ao escrever o episódio piloto da série documental Sinos. O episódio foi lançado em outubro de 2021 no Canal Futura e no Canal FDR. Criadora, pesquisadora, roteirista e apresentadora do podcast Assim Caminha a Humanidade e das áudio séries Uma Breve História da Intolerância e É Tudo Folclore! No primeiro semestre de 2022, lançará, no Canal Futura, o episódio piloto da série Assim Caminha a Humanidade, intitulado “Agora Eu Era Herói”. https://linktr.ee/patirabelo.

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