Unicórnio ou mula sem cabeça?

Entre a mística das startups unicórnio e a realidade dos mega-investimentos em venture capital.

A recente onda de demissões em startups-unicórnio como Quinto Andar, Loft e Facily provocou uma série de dúvidas sobre como esses negócios são geridos.

A matéria da Bloomberg pergunta: O encanto se acabou?

Críticas ao formato de crescimento, considerado desordenado com correções de erros sendo feitas via corte de pessoal

Outras reportagens fizeram contraponto entre as políticas de altos investimentos em marketing versus redução de benefícios para o time.

A resposta do CEO do Quinto Andar às críticas, alegando que mudanças radicais são consequência do modelo de inovação e crescimento acelerado, quase se perdeu em meio ao apelo de que há algo de errado com a gestão das startups.


O lado da manteiga virado para baixo

As startups estão na moda, com muita gente trocando carreiras em setores mais estáveis pela promessa de crescimento acelerado que elas oferecem. 

Os investidores conhecem bem essa promessa e sabem que a taxa de sucesso é menor que 5%, preferindo distribuir seus investimentos entre mais projetos a concentrar foco em um único projeto que seja super promissor.

Ocorre que pelo lado dos profissionais não é possível distribuir suas carreiras entre várias startups, ainda que não seja impossível imaginar um modelo de multi-dedicação que equilibre essa desvantagem. 

O formato atual ainda exige do profissional o foco em uma única empresa, onde ele deverá trabalhar alguns anos, muitas vezes com uma remuneração abaixo do mercado, para que possa conquistar o tão desejado benefício das stock options.

Benefício esse que, por sua vez, dependerá de um evento de liquidez para o negócio como um todo, seja via IPO ou aquisição por outra empresa, para representar ganhos reais. 

A maior parte das reportagens seguiu o tom iconoclasta, tentando desfazer um pouco da mística em torno de nossos unicórnios, passando ao largo dos acordos explícitos e implícitos entre as startups e seus profissionais. 

Este é o ponto mais dramático, pois a demissão numa startup representa um duro despertar para a realidade de que o profissional não concluirá o tão esperado ciclo de crescimento acelerado. 

Tendo perdido tempo, pois ao migrar para outra startup terá que retomar do início seu período de aquisição de stock options, chamado de cliff, tempo mínimo para obter a sua primeira participação societária, e vesting, quando ele começa a incorporar o benefício.   

Caso decida retornar para segmentos mais estáveis, pode descobrir que seu ex-cargo de Head corresponde a um Analista Sr

O desligamento sem relação com o desempenho específico do profissional, mas em contexto de revisão de projetos e prioridades, provoca um efeito rebote nos esforços futuros de atração de talentos, uma vez que ficou explícita a possibilidade unilateral de toda a promessa se desfazer.


O combinado não sai caro

Continuaremos a ser bombardeados por postagens de Macbooks novos, canecas e caderninhos de profissionais que escolheram o desafio das startups.  

A questão aqui é saber bem onde você está pisando.

O negócio das startups é conquistar mercado até o ponto máximo, quando poderão abrir seu capital, ou em algum ponto intermediário, quando um grande grupo econômico pode preferir adquirir a tecnologia ou sua participação de mercado. 

Os fundadores e investidores sabem dos riscos e os gerenciam, mas por vezes os profissionais superestimam a promessa de fazer parte de um negócio de crescimento acelerado, em detrimento das demais perspectivas.

Voltando às reportagens, podemos ver o quanto o Quinto Andar é apresentado com uma empresa investindo em conquistar participação de mercado, seja via aquisições de outras empresas em setores anexos como gestão de condomínios, até a intermediação de imóveis com a Casa Mineira ou via investimentos em super campanhas com celebridades e merchandising. 

Se você está numa startup, preocupe-se em fazer parte de projetos deste tipo. 

Muitas vezes, devido ao volume de capital alocado, alguns projetos interessantes são aprovados, mas que por não estarem relacionados à conquista de mercados, podem ser facilmente descontinuados, juntamente com seus times. 


O mercado virou

De um ciclo em que havia uma super disponibilidade de capital, com muita gente dizendo que não faltava dinheiro, faltava projeto, seguimos para um período de ajuste, com alta nas taxas de juros e uma consequente redução no capital disponível.

Agora, pode faltar dinheiro.

Por isso, as startups tiveram que fazer ajustes em seus projetos menos rentáveis no curto prazo, para que não faltem recursos para suas iniciativas de captura de mercado. 

Se para alguns não vai faltar capital, ele vai ficar mais exigente

Significa que algumas avaliações de mercado podem ser revistas para baixo em novas rodadas. 

Isso representaria uma perda de valor para quem investiu nas rodadas anteriores e até algum impacto na imagem, ainda que a startup esteja conseguindo novas injeções de capital, o que é um bom sinal. 

Para evitar esse ruído, as startups que puderem vão preferir atravessar esse período de alta nos juros com o capital que possuem, daí a nova mentalidade para gestão do caixa. 

Cash is king

Em resumo, manter uma boa posição de caixa, negociar em novas bases, dar passos para trás, sobreviver enquanto as condições estiverem adversas. 

O lado bom disso tudo é que o ambiente competitivo se estabiliza um pouco.

O artigo Unicórnios do Franchising trouxe um levantamento das startups de compras de supermercado, desde então continuam aparecendo outras empresas no segmento ou se preparando para entrar nele. 

Tal movimento deve se arrefecer, com vantagem para quem já está dentro e bem posicionado, em especial as redes tradicionais de varejo, que com sua geração de caixa terão mais fôlego para organizar suas defesas.

O risco da bolha das startups emerge, e é bem possível que algumas apostas fiquem pelo caminho, mas não representam o setor como um todo. 

“Quando a maré baixa que se vê quem está nadando pelado”


Warren Buffett

Portanto, se você está numa startup ou pensando em migrar para esse setor, tenha em mente que os próximos meses serão menos festivos. 

Observe bem a entrega de valor para além da promessa. 

O Quinto Andar recebeu críticas pela forma como tratou as demissões, mas nada a respeito de proprietários que não receberam seus aluguéis ou alguém tendo que apresentar fiador para alugar um imóvel. 

Isso significa que a empresa segue entregando valor para o mercado. 

A Loft informou que sua reestruturação está ligada à construção de uma área de crédito, bem num momento em que o crédito fica mais caro, enfrenta críticas de clientes e alto percentual dos que a acionaram no site Reclame Aqui alegando que não fariam negócios novamente com a empresa. 

Já a Facily vive uma baixa em sua reputação, tendo sido tema de uma reportagem do Fantástico que a mostrava como recordista de reclamações no Procon, a qual, apesar do tom negativo, contou com a participação de seu fundador. 


Por fim, se a frieza nas demissões foi um ponto criticado nas startups, as tentativas de evocar a biografia do profissional nas mensagens de desligamento da TV Globo têm provocado risadas.

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