Ouço vozes! O potencial tóxico da sua voz interior e como usá-la de forma mais saudável

Ficamos falando com nós mesmos, remoendo o passado ou imaginando o futuro. 

A voz interior é uma capacidade humana incrível, de usar a linguagem de uma forma silenciosa para conversar com a gente mesmo e refletir sobre… bom, basicamente tudo. No meio acadêmico essa voz é chamada de “chatter” (o tagarela) e o termo é geralmente usado para se referir ao lado “menos incrível” da nossa voz interior. 

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O tagarela chefão que vive dentro da sua cabeça

O fato é que quando voltamos nossa atenção para dentro de nós, para buscar sentido em nossos problemas através desse bate-papo interno, acabamos não encontrando soluções, mas sim uma ruminação constante e ininterrupta de preocupações e, quase sempre, catastrofizando. Ficamos presos em um loop de negatividade, que se retroalimenta dessa habilidade notável que temos, essa voz interior, e a transforma em uma maldição em vez de uma bênção, como bem colocou Ethan Kross, professor de psicologia e administração e autor do livro “Chatter: The Voice in Our Head, Why It Matters, and How to Harness It“. 

Mas por que será que temos essa voz interior?

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A companhia constante e onipresente de você mesmo(a)

A linguagem é uma capacidade essencial em nossa espécie, e que continuamos a desenvolver, para nos ajudar a navegar pelo mundo. Usamos a linguagem para nos comunicar com os outros, mas também com nós mesmos, o que nos dá uma vantagem de sobrevivência do ponto de vista evolutivo. É um mecanismo extremamente poderoso na solução de problemas. É o chamado ‘Sistema de Memória de Trabalho Verbal’, uma característica básica da mente humana, que nos ajuda a manter as informações vivas em nossas cabeças. 

Por exemplo, nossa voz interior nos permite simular e planejar eventos. Como antes de uma apresentação importante, quando repassamos em nossas cabeças o que vamos dizer, quais são os pontos que vamos abordar, e quais as perguntas que eventualmente serão feitas e como vamos responde-las. Com a nossa voz interior podemos simular isso tudo e nos preparar muito melhor, podemos ensaiar e nos preparar melhor para qualquer evento rotineiro, mentalmente. 

Nossa voz interior também ajuda no auto-controle. Pense na última vez que você quis comer uma guloseima tarde da noite, mas pensou: “Não faça isso, amanhã você vai se arrepender e vai ficar reclamando”. Essa é a sua voz interior. A voz interior nos ajuda a criar essas histórias da rotina das nossas vidas. 

Ou seja, o tal chatter é um dos principais protagonistas do processo que normalmente chamamos de… “pensar”.

Nós voltamos nossa atenção para dentro de nós para apresentar alguma narrativa que explique nossas experiências, de forma a moldar nossa compreensão de quem somos, nossa identidade. 

Ora do bem, ora do mal

Às vezes essa voz interior é uma ótima companhia, mas outras vezes pode nos afundar. Primeiro, porque pode atrapalhar no processo de concentração, de foco, porque consome nossa atenção. Imagine alguém falando com você, sem parar, o dia inteiro. Fica quese impossível ser produtivo.

A tagarelice também pode atrapalhar na hora de se relacionar com outras pessoas porque atrapalha na sua disponibilidade enquanto ouvinte. É como se tivéssemos um comentarista dentro da cabeça, o que pode nos levar a destorcer fatos ou focar mais em nossa versão das coisas e menos nas dos outros. E por fim, sabemos que a conversa pode ter efeitos graves e negativos para a saúde física e mental. 

Uma resposta ao estresse é uma resposta realmente adaptativa. O que torna o estresse tóxico é quando ele permanece cronicamente elevado ao longo do tempo. Isto é precisamente o que a auto-conversa faz. Muitas vezes o evento estressante já acabou, mas em nossas mentes a conversa o perpetua. Continuamos pensando sobre o evento repetidamente. E isso mantém o estresse ativo em um grau próximo ao original/real, o que pode acabar causando doenças cardiovasculares, inflamação crônica e até câncer. 

Como usar a voz interior de forma mais saudável

A boa notícia é que a ciência tem demonstrado que é possível recuperar o controle de sua voz interior. Uma das melhores formas é através de rituais. Um ritual é uma sequência ordenada de comportamentos que você executa rigorosamente da mesma maneira todas as vezes. Isso traz uma sensação de ordem e controle e vai nos devolvendo o comando da conversa interior. Aos poucos, a voz que nos controlava, passa a ficar mais sob nosso controle.

O Rafael Nadal (tenista) costuma dizer que a coisa mais difícil pra ele na quadra é administrar as vozes dentro de sua cabeça. E é por isso que ele usa tantos rituais, com suas garrafinhas nos intervalos e com seus trejeitos antes de sacar, por exemplo. Tá bom que ele acabou exagerando, mas é através de rituais que ele ocupa e distrai a mente, mantendo assim a sua voz interior “na fila”. É um truque que muitos atletas usam, em diversas modalidades de esportes, principalmente aqueles em que se tem pequenos intervalos, que é quando a voz aparece com mais força.

Aliás, falando em tenis, um dos melhores livros que já lí, com aplicação prática na vida para tenistas ou não-tenistas é o “The Inner Game of Tennis”, que fala justamente sobre voz interior. Leia. Recomendo muito. Serve pra todos os aspectos da vida mesmo.

Escrevi sobre isso aqui: Tenis para tenistas e não-tenistas

Enfim, não existe uma fórmula mágica para se controlar essa voz. O truque é tentar aprender a usá-la quando for útil e não usá-la quando for tóxica. Claro que ela tem vontade própria, mas dá pra aprender a discipliná-la, com treino.

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