Uma referência criativa pra ver: a peça Museu Nacional

Criativo e enérgico, o espetáculo tem texto e direção de Vinicius Calderoni.

No dia 2 de setembro de 2018, logo no comecinho da tarde daquele domingo, mais de 20 milhões de itens do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, foram sumariamente consumidos pelo fogo. Foi um dia muito triste. Esse “armário do mundo” guardava inúmeras pesquisas, artefatos, objetos e animais empalhados que serviam de amparo à história do Brasil.

“Museu Nacional, todas as vozes do fogo”, é um texto de Vinicius Calderoni, que também assina a direção do espetáculo, em cartaz no Sesc Vila Mariana, em São Paulo. A tentativa de alastrar o horror desta tragédia é feita na forma de poesia musical. 

A ótima companhia Barca dos Corações Partidos entra como fio condutor. A música não aparece para atenuar a tragédia, e sim para reforçar o grau de descaso que acomete toda a cena cultural do país. 

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Divulgação

Transformar a enredo em um musical é uma escolha narrativa maravilhosa. A representação ganha impulso, muita criatividade na execução e familiaridade na abordagem. O público é puxado para essa “Uma Noite no Museu” de imediato. 

O primeiro fóssil encontrado na América Latina é o de Luzia, e ela foi um dos poucos itens do acervo que restaram. Interpretada por Ana Carbatti, Luzia aparece ao mesmo tempo como um guia educativo do próprio museu e uma entidade, uma proteção da nação brasileira, mas também sua juíza que promulga a sentença da nossa devastação para além das cinzas do Museu Nacional. É uma espécie de fantasma da ópera estranha e triste que jamais parece ter um fim. 

Ao longo de todo espetáculo, Luzia também assume um papel de mestre de cerimônias para apresentar os demais personagens, todos eles dando vida, ora aos objetos do próprio Museu, ora assumindo a posição de seus algozes. 

O texto e a direção de Calderoni se distanciam de outras produções da Barca Dos Corações Perdidos, como as mágicas homenagens à Jackson do Pandeiro e Ariano Suassuna. Contudo, a junção deu liga. O dramaturgo maneja muito bem toda a riqueza do seu principal personagem, insere até alguns memes nas cenas sem parecer gratuito, e acha espaço para tecer outros episódios como anúncios, previsões do incêndio. A primeira parte do espetáculo é recheada de humor e é impossível não destacar as luminosas presenças de Beto Lemos, Alfredo del Penho e Rosa Peixoto. 

Da metade para o final, “Museu Nacional, todas as vozes do fogo” perde muito da graça e o bom humor. Não é à toa. Em uma das melhores cenas do espetáculo, um casal interpretado por Felipe Frazão e Adassa Martins, apresenta o prêmio “Catástrofe Brasil”. A elucidação da quantidade de horrores que nos acostumamos ver ao longo desses últimos anos, sendo o incêndio do Museu Nacional o maior destaque, é um choque. 

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Não há diferença entre os horrores. Mas, “ao perder 20 milhões de chances de ser um país melhor”, o velório que fazemos pelo maior museu de história natural do país, é permanente. Uma civilização foi consumida pelo fogo. Uma civilização tanto do passado quanto do futuro.

Porque se a História arquiva o que ainda está por vir, a decisão de interromper os incêndios que queimam nosso tempo, nossas raízes e nossas possibilidades de transformação social, são tomadas antes da primeira fagulha de fogo. 

A questão que resta das cinzas é: qual futuro estamos construindo? “Museu Nacional, todas as vozes do fogo” é uma peça de teatro. Apenas isso. É a história de uma História. Tão bela quanto triste, tão simples quanto urgente. 

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