O stress, o negacionismo e a terceirização da culpa

O comportamento apático e potencialmente irracional de indivíduos frente a uma situação de enfrentamento pode ser sinal de sua incapacidade em lidar emocionalmente com eventos estranhos à normalidade e/ou compreender/avaliar cognitivamente possíveis alternativas para lidar com uma situação a qual não estão familiarizados.

Eventos estressores são aqueles que preparam o corpo para uma situação de enfrentamento, sejam eles posteriormente identificados como negativos (distresses) ou mesmo positivos (eustresses).

Na década de 30, o endocrinologista húngaro Hans Selye identificou um padrão de resposta fisiológica a eventos estressores, ao que chamou de Síndrome de Adaptação Geral. Três momentos em que o corpo atua e é afetado de forma distinta por um evento estressor (inclusive aumentando ou reduzindo sua capacidade de imunização frente a infecções, trato de doenças e órgãos com deficiências).

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Síndrome de adaptação geral (Selye, 1932, extraído de Gazzaniga, Heatherton, & Halpern, 2005)

A permanência de situações de stress ou a incapacidade do indivíduo lidar com elas – resultando em uma situação de stress crônico -, contudo, pode resultar em problemas para que o corpo possa controlar a situação e, curiosamente, piora a própria capacidade de realizar este controle – o mecanismo biológico para reduzir o stress (inibição de corticotrofina pelo hipocampo) é afetado pela morte de neurônios nesta área do cérebro, o que, grosso modo, faz com que o stress crônico se retroalimente.

Há décadas, então, são estudados mecanismos utilizados pelas pessoas para lidar com situações de stress e evitar uma sobrecarga que as impeçam de seguir com suas atividades diárias ou, em um sentido mais holístico, evoluirem como seres humanos.

Folkman e Lazarus (1988), entre outros temas, estudaram maneiras de enfrentamento de situações estressoras, pontuando, grosso modo, duas formas principais com as quais as pessoas lidam com isto (processos de ‘copying’), ao que chamaram de enfrentamento “focado no problema” e “focado na emoção”.

O primeiro – enfrentamento focado no problema – busca atender às etapas necessárias para resolução do problema, geralmente ocorrendo quando a situação é vista como controlável pelo indivíduo, onde ele enxerga ser capaz de realizar alguma ação que resolva ou reduza o evento estressor. Ele envolve a busca por soluções alternativas, avaliação dos custos e benefícios de cada uma e, então, a decisão pela solução que maximize os ganhos (ou minimize as consequências negativas).

Na segunda abordagem – enfrentamento focado na emoção -, os indivíduos tentam prevenir a resposta emocional (em si mesmos) ao evento estressor como uma forma de alívio da dor psicológica. Estes comportamentos poderiam ser tanto ‘manipulativos’ (o indivíduo busca alterar sua relação com o acontecimento) ou ‘acomodativas’ (onde, frente à incapacidade de agir, o indivíduo permanece passivo e/ou altera seu estado interno para lidar com a situação).

Biologicamente falando, há uma vantagem para este comportamento, pois ele permite com que a pessoa “continue funcionando” frente a estressores incontroláveis ou altos níveis de stress. Contudo, além de funcionar apenas no curso prazo, a ignorância ou descarte de problemas não o soluciona – a popular frase “ignorar um problema não fará com que ele desapareça”.

Charge do Zé Dassilva: o primeiro negacionista | NSC Total

As táticas utilizadas no enfrentamento emocional são fruto de uma tentativa da pessoa não confrontar realisticamente a situação. Os autores identificaram:

  1. Esquivar-se da situação: evitar dar a devida atenção ao fato, ocupando-se de outras atividades paralelas;
  2. Minimizar o problema: tratar uma situação com desprezo ou pouca importância como forma de não reconhecer seu real impacto;
  3. Distanciar-se dos resultados do problema: ignorar as consequências (possíveis ou efetivas) do evento;
  4. Envolver-se em comportamentos que entorpeçam o problema: corromper o corpo com substâncias que resultem na redução da sensação física desagradável, como comer, beber em demasia, tomar um remédio, entre outras.

Embora ambas abordagens – focada no problema ou na emoção – ocorram em todas as pessoas, a duração e preponderância de uma ou outra depende da avaliação individual dos envolvidos sobre evento estressor e de características pessoais que influenciam sua capacidade de enxergar e lidar com a situação.

Kobasa (1979), por exemplo, identificou dois grupos de pessoas em função de como lidam com mudanças (e o stress derivado delas). Para o pesquisador, pessoas ‘resistentes ao stress’ são aquelas capazes de se adaptar às novas situações, encarando os eventos de forma construtiva e/ou vendo a si mesmas como capazes de fazer algo para retomar o controle.

Por outro lado, ‘pessoas com baixa resistência’ são tidas como alienadas, tementes e resistentes a lidar com situações insólitas, considerando que estes eventos estão sob controle de uma força externa, sobre a qual ela não tem nenhuma gerência. Estas aplicam as táticas de copying para conseguir lidar com o incômodo (inclusive físico) da situação estressora.

Esta é, claro, uma simplificação da relação entre a estratégias de copying e traços de personalidade, mas serve de reflexão para compreender o comportamento muitas vezes apático e potencialmente irracional de indivíduos frente a uma situação de enfrentamento, sinal de sua incapacidade em lidar emocionalmente com eventos estranhos à normalidade e/ou compreender/avaliar cognitivamente possíveis alternativas para lidar com uma situação a qual não estão familiarizados.

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