Afinal, o que é a realidade?

O mundo das histórias há muito explora a possibilidade de transpor a percepção da realidade de um indivíduo para um universo alternativo, criando virtualmente, e que pode tanto apresentar um caráter aspiracional como também uma possibilidade destrutiva e agonizante.

Não falo aqui da projeção natural da história, ou seja, do fato de você observar a narrativa dentro do contexto criado para tal, já que toda obra, ainda que baseada em fatos reais, é resultado da visão ficcional do roteirista. Trato especificamente daquelas narrativas que apresentam ao protagonista a possibilidade de viver uma vida paralela, ainda que dentro da própria história.

“Playtest”, o episódio 2 da terceira temporada de Black Mirror – reforçando o que já disseram, a melhor série sobre tecnologia e comportamento humano da atualidade – traz o já consagrado modelo da aplicação distópica da tecnologia para o campo da geração de emoções e da construção de uma realidade alternativa. Sem maiores spoilers, graças a um dispositivo implantado na cabeça, o protagonista passa por experiências virtuais aterrorizantes que, para ele, são tão reais quanto a tela que você está segurando para ver este texto.

blackmirror_playtest

Já em 2009, o filme Substitutos / Surrogates, com Bruce Willis no papel principal, provocava a sociedade com a possibilidade de colocar as pessoas no controle de avatares robóticos que “viviam a vida real” enquanto seus operadores estavam resguardados na proteção de suas casas. 

A fuga da vivência direta, contudo, não parou por aí; com o  avanço dos sistemas imersivos, a percepção da realidade aproxima-se cada vez mais da realidade física.

Em tempos de realidades aumentadas e virtuais, parafraseando Morpheus, em Matrix, outro clássico do modelo de realidade alternativa:

“O que é ‘real’? Como você define o que é ‘real’? Se você está falando do que você sente, o que você cheira, prova, vê, então ‘real’ são simplesmente sinais elétricos interpretados pelo seu cérebro”.

Quando nossos sentidos, porta de entrada para nossa noção de realidade, são tomados por estímulos provocados, em que momento nossa mente cruza a barreira de aceitação daquilo que nos cerca virtualmente?

https://www.youtube.com/watch?v=uT_b5gqCG_c

O filme “A Origem” (Inception) brinca com o universo dos sonhos, que não atendem às interpretações freudianas simbólicas e decifratórias, mas são construídos de forma análoga à “realidade real”; tarefa, esta, feita por um ‘arquiteto’ de sonhos. No filme, um dos dilemas trata justamente da incapacidade de Mal (esposa do protagonista Dom Cobb, vivido por Leonardo DiCaprio) distinguir a diferença entre as múltiplas camadas dos sonhos e o mundo real.

Se, por um lado, podemos ver utilizações inocentes da estimulação dos sentidos como no brinquedo Soarin’ over California, na Disney World (que busca imersão através do estímulo da visão, audição, olfato e tato enquanto você sobrevoa a costa oeste americana em um simulador de asa-delta), por outro certamente teremos que lidar com aplicações que buscarão cada vez mais manipular os sentidos na construção de realidades alternativas.

Quão ‘real’ é o virtual?

Um impacto direto que poderia ser estudado é o impacto das experiências de imersão virtuais na formação da memória e dos processos cognitivos que moldarão nossos comportamentos futuros. Afinal, somos moldados por nossas experiências e memórias; poderiam as experiências virtuais afetarem nossos modelos mentais?

A princípio, tudo indica que sim. Simuladores são utilizados para que pilotos aéreos pratiquem procedimentos e a realidade virtual utilizada no tratamento de fobias; logo, há um ‘hackamento’ do cérebro para considerar aquelas experiências virtuais como parte da vida do indivíduo.

No livro “O Cérebro Imperfeito”, Dean Duonomano coloca que “em última instância, o que somos como indivíduos e sociedade é definido não só pelas espantosas capacidades do cérebro, mas também por suas falhas e limitações… nossa memória pode ser pouco confiável e tendenciosa“. Assim, induzir sentidos e estimular comportamentos em um ambiente virtual imersivo alimenta falsamente o cérebro sobre experiências de vida que podem desencadear alguns dilemas morais.

Se uma experiência imersiva lúdica estimula, por exemplo, que se mate outro ser humano, quebra-se esta barreira moral no mundo real? E não estou falando das experiências de hoje, onde ainda há uma clara distinção do lúdico e do real, mas sim, de experiências realmente imersivas, onde, por instantes, o indivíduo tenha todos seus sentidos e sensações transpostos para esta realidade alternativa.

Por fim, se pudéssemos criar e viver uma realidade imersiva alternativa onde estivéssemos protegidos de qualquer intempérie e a existência fosse moldada a nosso bel-prazer, quereríamos sair dela? “Ah, mas precisamos nos alimentar, ir ao banheiro, precisaríamos sair alguma hora“. Na verdade quem precisa se alimentar é meu corpo, a carcaça biológica que carrega a mente, esta entidade escondida entre as 100 trilhões de sinapses cerebrais, entre a biologia e a psicologia, entre o real e o virtual.. até o momento que ambos tornem-se indistinguíveis.

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