Porque essa nova marca pra campanha de Nova York é um erro do começo ao fim (apesar das boas justificativas)

O que era pra ser uma campanha simples e de impacto começa a ganhar contornos de causa que quer resolver todos os problemas da cidade (e, porque não, do mundo).

Dia 20 de março de 2023 marcou o lançamento de uma nova campanha para valorizar a cidade de Nova York.

Não se trata de mais uma dessas campanhas de turismo convencional.

É a continuidade de uma campanha que, muito provavelmente, é, entre todas as campanhas desta categoria, a mais conhecida e copiada da história.

Aliás, talvez a marca I♥︎NY seja um dos ícones mais famosos de qualquer campanha de qualquer produto de qualquer categoria.

Por isso vale falar da campanha do século passado, antes de comentar a atual lambança, digo, campanha.

Em 1977 o Departamento de Desenvolvimento Econômico da cidade de Nova York decidiu fazer um esforço de comunicação para resgatar o prestígio da cidade que estava com sua imagem arranhada pela crise, e, principalmente, por ser uma cidade violenta.

Para tanto, o departamento convidou a agência de publicidade local Wells Rich Greene e também o lendário designer Milton Glaser pra criar a marca dessa campanha.

Pois bem: a caminho da reunião com o pessoal do órgão governamental e da agência, Milton Glaser rabiscou o famoso e onipresente logo I♥︎NY.

Mas, apesar da genialidade do Glaser, o fato que mais chama a atenção nem é esse: é a execução simples, com uma tipografia marcante (American Typewriter) absolutamente em linha com as tendências daquele momento histórico, e, além disso, a atemporalidade da marca – e é aí que começam minhas diferenças com a campanha e marca atuais (falarei disso mais pra frente).

Outra coisa marcante é como o processo de criação e aprovação foi todo mais intuitivo e voltado à força de uma ideia, de um ícone, como a própria cidade – esse é o ponto principal sobre a atual campanha versus a campanha do século passado.

Voltando à campanha atual.

Segundo matéria do The New York Times essa campanha surgiu a pedido da entidade que une poder público e setor privado em prol da cidade de Nova York, chamada Partnership for New York City e, segundo Kathryn Wylde, presidente da entidade, com essa campanha, eles “esperam ser capazes de acabar com a divisão e a negatividade” que está associada à cidade neste mundo pós-pandêmico.

Ora, não fui pra NY depois da pandemia e já ouvi relatos de que a cidade tem muitas questões, como a vacância em prédios de escritórios e muitas lojas fechadas, etc e tal. Mas não parece que tenha esse cenário de crise de imagem da cidade, como existia nos anos 1970. 

Ela continua com a defesa da nova campanha na entrevista: “Queremos lembrá-los (os moradores de NY) que não precisamos manter essas divisões que cresceram entre negócios e trabalho e ricos e pobres”.

O que era pra ser uma campanha simples e de impacto começa a ganhar contornos de causa que quer resolver todos os problemas da cidade (e, porque não, do mundo).

Vemos a concretização deste pensamento na troca de “I” (eu) por “We” (Nós).

A questão é que, na versão original, o “Eu” já construía o “Nós”, a partir do momento em que milhares ou milhões de pessoas compravam os produtos com a marca (de camisas a canecas, passando por, acredite, calcinhas –

Como diz o excelente artigo da Elissaveta Brandon da Fast Company “se não está quebrado, não conserte”.

Ou seja, o “WE”, é muito mais pra justificar o discurso do que pra ter um efeito prático e impactante na marca. Além de criar um ruído na mensagem (se eu usava uma camiseta com I♥︎NY, não havia dúvidas; Agora, com a mesma camiseta com “WE” no lugar de “I”, eu te pergunto: “NÓS”, quem, cara-pálida?)

Mas, não pára por aí.

Tem mais 3 alterações (pra pior, na visão deste que vos escreve) na marca que merecem ser comentadas:

  1. A mudança de fonte, com a justificativa (Olha o PPT aí, gente!) de que é a fonte usada no metrô novaiorquino. Ok: como fonte de sinalização ela vai bem (é uma variação da Helvetica), tem ótima legibilidade à distância, etc. Mas, falta o que tinha de sobra na versão original: personalidade.
  2. A inclusão do C depois de NY (pra ficar claro que se trata da cidade de Nova York). Acho que não preciso nem comentar a falta que a saída desse Y não faria. Me lembrou desse vídeo clássico
  1. E, finalmente, mas não menos importante, o coração: saiu um ícone chapado, limpo e clássico e entrou um desses emojis que vemos nos whatsapps da vida hoje em dia. Inclusive, com a promessa de que ele não ficará só: essa linguagem de emojis será usada na campanha como um todo, trazendo outros elementos de acordo com o contexto.

Meu ponto aqui nem é a questão estética em si (discutível), mas a adoção de uma linguagem banal e efêmera, que não confere o teor clássico e perene da ideia original.

Por essas e outras, a nova campanha e a nova marca estão sendo massacrados nas redes inclusive por designers renomados como o David Carson.

Vendo o resultado final, fiquei com a sensação de que sobram justificativas e faltam ideias. 

A apresentação com todas as defesas e os “porquês” deve ter sido ótima, com todos saindo felizes da sala de reunião e convictos de que estavam fazendo o certo.

Pena que as pessoas em geral não participam da reunião. 

E pena, principalmente, que o Milton Glaser também não pôde estar no táxi a caminho desta mesma reunião.

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