Pra ouvir: Jesus Ñ Voltará, de Mateus Fazeno Rock.

Em seu segundo trabalho, o artista mistura elementos do grunge, punk, funk, rap, reggae, dub e R&B.

Mateus Fazeno Rock sente muito, mas sem um paraíso que receba a população periférica do seu convívio, a constatação precisa ser direta: Jesus Ñ Voltará (2023, selo independente). Segundo álbum do artista de Fortaleza, a faixa de abertura relata sobre pessoas largadas em um tipo de apocalipse diário. A voz cadavérica de Mateus transforma a canção em uma profecia, e o arranjo pesado contextualiza o ouvinte em um submundo. A sensação é mesmo de descer por um bueiro. 

De certa forma, Mateus Fazeno Rock compõe a própria versão de A Divina Comédia, o poema épico de Dante Alighieri, dividido em partes chamadas o Inferno, o Purgatório e o Paraíso. Assim como o poeta, Mateus é um personagem-narrador ciente de que a trajetória de pessoas pretas sempre vai começar pela condenação. 

De melodia triste, a linda Pode ser Easy é uma pausa nessa dor. A esperança surgida de rimas espertas como “e pode ser easy, e pode ser que eu aterrize, ir além do mundo que eu sempre estive” mostram o compositor disposto a testar outras formas de falar sobre afeto. 

Captura de tela 2023 08 16 185753 2

Em seu álbum anterior, Rolê Nas Ruínas (2020, selo independente), o rock predominava. Mateus flertou, inclusive, com outros primos do gênero, como o punk da faixa Aquela Ultraviolência e o rock clássico de Melô do Djavan. Se na primeira parte de, Pose de Malandro / Me querem morto, o funk carioca dá as caras, a outra metade da música tem uma ambientação repetitiva, obsessiva, na linha do que o norte-americano Jon Hopkins faz em suas criações. “A morte do esquecimento, morte colonial, com pressa” é o verso que apreende a pose de malandro como um método de sobrevivência. 

É uma passagem engenhosa para Nome de Anjo, outra bela música onde a doçura e a amargura trocam de lugar. A faixa narra a história de um amigo da infância de Mateus, morto durante uma batalha entre facções de Fortaleza. 

Durante todo o álbum Matheus segue com um pé em cada vertente: ora com canções mais calmas, ora mais agressivas, mas sempre com um alvo definido. A grandeza do trabalho é fazer esta oscilação parte importante do ritmo, criando uma viagem de agonia crescente pelos seus infernos sociais, culturais, artísticos e pessoais. 

Indigno Love, das melhores do álbum, resume bem a proposta. Mateus brinca com os estrangeirismos, narra a sua solidão enquanto artista, cita referências, como Eric Clapton ( I shot the Sheriff! Sei, tal hora vira condição), e traça um paralelo entre arte e sobrevivência que só o Brasil impõe. 

Só Suor e Lágrimas tem timbre e andamentos parecidos com Negro Drama, do Racionais, e as duas estão no mesmo tom. Rezo, logo em seguida, e Vontade de Negro, avisam que a viagem de Mateus Fazeno Rock está próxima do fim. Mesmo não sendo salvo, ele se aproxima do paraíso? De Noite, a última faixa, responde ao seu modo, unindo memória, ancestralidade e esperança, sem desclassificar o Inferno de Mateus do que ele é: nem comédia, nem divino. Só uma tragédia que se não vira capa de jornal, vira música.

Receba nossos posts GRÁTIS!
Deixe um comentário

This website uses cookies to improve your experience. We'll assume you're ok with this, but you can opt-out if you wish. Accept Read More