Scorsese, As Marvels e falta de paixão.

Scorsese filmou mais de 3h e meia de tecido humano, de sutileza, de pulso, de violência. Já a Marvel…

Ainda não esqueci de Assassinos da Lua das Flores, o filmaço de mais de 3h, dirigido e escrito pelo Martin Scorsese. Há muitas cenas maravilhosas, mas o comecinho, onde os indígenas dançam em meio ao petróleo ao som de Ossage Oil Bloom, do compositor Robbie Robertson, e o final do filme, quando tudo se revela, me pegaram demais. 

Se na primeira cena há um êxtase financeiro, a última trata de uma farsa histórica. Scorsese faz uma crítica brilhante: os Estados Unidos é um cemitério, um lugar que enterrou qualquer tipo de diversidade em nome de um sistema capitalista. Pisoteou, matou, mentiu e extorquiu qualquer opositor a isso. Quem conta a história americana colaborou. E o cinema também faz parte do matadouro. 

Alguns filmes nadaram e estão nadando contra corrente, como Assassinos da Lua das Flores. Não só no tema, mas na forma. Scorsese filmou mais de 3h e meia de tecido humano, de sutileza, de pulso, de violência. 

Senti a mesma coisa ouvindo o novo álbum dos Rolling Stones, Hackey Diamonds. Devo ter escutado umas 100 vezes. O Wagner Brenner fez um texto maravilhoso sobre o lançamento, analisando o disco, trazendo entrevistas, contextos e situações curiosas. O artigo tá completo.

Pra mim, a melhor música do disco é a penúltima, Sweet Sounds of Heaven. Apoteótica, tem mais de 7 minutos, um ar de improviso com a Lady Gaga dando uma risadinha, pra daí continuar cantando mesmo depois do take final, movendo a banda inteira para um set novo. O Stevie Wonder ali no piano. E a paixão pela música, por aquele momento, no talo. 

Uma canção de sete minutos, um filme de 3 horas… quem ainda insiste em fazer um produto que parte ao meio as cartilhas e fórmulas atuais, né?  

Ver o povo malhando As Marvels, o filme de super herói da semana, me lembrou dele de novo, do Martin Scorsese, e da sua fala: “O que a Marvel faz não é cinema e isso é perigoso”. É mesmo. Scorsese escreveu um longo (de novo isso?) artigo para o The New York Times explicando sua luta contra a fórmula do estúdio.

Parece que o público entendeu o puxão de orelha do mestre e está dando o troco, indo cada vez menos às sessões. A crítica também. As Marvels abriu sua temporada com notas baixíssimas. 

A Isabela Boscov comentou que os filmes de herói são como “linha de montagem, sem saber a diferença entre eles, tampouco para quê servem”. Em outro vídeo, ela disse que em nome da diversão os produtores levaram o cinema à petição de miséria, com tramas ultra genéricas, efeitos ruins, e agora não já oferecem nem isso. Assistir qualquer coisa da Marvel, ou da DC, é tão emocionante quanto passar 3 horas olhando uma parede branca. Falta originalidade, sagacidade, inteligência, impulso, pulso, paixão, erro, malandragem, humor, drama, suspense… e sobra volume! 

Não é preciso comentar o vídeo onde Joe Russo, o “diretor” à frente de Vingadores, ironizou Scorsese. O sentido da suposta piada dá razão ao Scorsese. De novo.

O cinema, a música, a literatura e os shows, são produtos. Mas quando essas coisas são só isso, não servem. E daria pra traçar um paralelo quase infinito entre o povo da indústria que faz a coisa mais genérica e sem coração, e quem joga no outro time. Porque há dois lados na história, sim. 

Isso vale até pra propaganda, cujo único propósito é vender algo. A profissão mais conectada ao sistema capitalista. A razão de ser. O lucro! Tanto que um comercial feito com cenas picotadas e um turbilhão de lettering tem pouco efeito no público. Ou os publicitários e gerentes de marketing acham que aquele Think Small, o título feito para vender carros de uma linha de montagem, foi desnecessário? 

VW ThinkSmall 1
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