SXSW parte 02: Insights, críticas e conclusões

Continuo com minhas críticas ao SXSW, algo que raramente faz parte das coberturas convencionais.

  • Já falaram muito sobre o que rolou em Austin, por isso vou resumir os principais insights (em alguns casos, com análise/opinião). Vem comigo até o final, que esse texto tá um pouco diferente e mais longo.
  • Seguindo o post da semana passada, também continuo a crítica ao SXSW, logo abaixo dos insights. Essas críticas, raramente estão nas coberturas convencionais. Vou tentar não me repetir. Se você não viu a parte 01, segue o link

Insights e o que mais me chamou a atenção

  • Sobre o desafio de dês-extinção, do Colossal Labs, que visa recuperar espécies extintas via engenharia genética e captou 75 milhões de dólares em 4 meses (com o apoio de Elon Musk): Essas pesquisas envolvem questões sistêmicas e éticas complexas e não deveriam ser conduzidos isoladamente pela iniciativa privada. Toda vez que vejo executivos e investidores dando respostas genéricas, “com as melhores intenções,” para questões muito complexas, pode apostar que há um risco violento sendo jogado debaixo do tapete.
  • Maria Ressa, que recebeu o Nobel da paz por seu trabalho contra o governo ditatorial das Filipinas: Vivemos uma crise de credibilidade. As redes sociais ajudaram a destruir a verdade em função de seus modelos de negócio. Sem fatos, não há verdade. Sem verdade, não há confiança. Sem confiança, vivemos uma fratura social. O pior é que já sabemos e provamos como isso acontece e o mesmo esquema continua. O discurso autoritário, via de regra, quer sempre manter a discussão e o olhar no passado. Para vencê-los temos que provocar o debate e a visão de futuro.
  • Sobre o uso de psicodélicos para saúde mental, os resultados são promissores, mas ainda há muito a explorar e descobrir. O que se sabe é que a experiência é profundamente influenciada pelo acompanhamento e preparação anterior às sessões, bem como pelo acolhimento e a integração após as sessões. Funciona para casos de depressão e vícios considerados resistentes à medicina tradicional.
  • Rohit Bhragava, do Non-Obvious Trends: As pessoas que compreendem melhor as outras pessoas, sempre vencem. Estamos tão cercados de bullshit que ficamos céticos ou criamos nossa própria bullshit. O problema de conteúdo não se resolve consumindo mais conteúdo. Destaques do Rohit Bhragavado Non Obvious Mega Trends em seu Linkedin (EN)
  • Celina Tricart, storytelling e realidades imersivas : Há cada vez mais suporte tecnológico para ir além do storytelling. Ela promove o storyliving, o storysharing e técnicas de realidade imersiva para gerar experiências de treinamento, tratamentos médicos e impactos multi-sensoriais muito mais profundos. Gaming é a porta de entrada para essas realidades.
  • Amy Webb, do Future Today Institute: Re-perception: é preciso curiosidade para reinterpretar informação e criar novos contextos. Tendências não são suficientes. Precisamos criar cenários possíveis pra elaborar estratégias e alternativas. NFT são o ruído, o importante é a infraestrutura. As tech-trends lançadas por Amy Webb estão aqui (EN)
  • Carmen Simon, neurocientista:Ela fala sobre memória, mitos e descobertas sobre o que torna algo memorável ou como e porque esquecemos das coisas.Também trabalha em como se tornar mais memorável e fixar melhor suas mensagens. A memória física é o que move o mundo para tomar decisões e realizar movimentos. Quando você gerencia e atinge as memórias das pessoas é aí que se torna relevante. Ela inúmera o que nos torna mais esquecíveis e o que podemos fazer para sermos mais memoráveis.Para acessar ao report: http://cvi.to/report-memorable-content
  • Regis Fils-Aimé – ex-COO da Nintendo América: um líder precisa se dedicar à qualidade de sua comunicação: verbal, não verbal, visual, escrita. Diversidade além do discurso é fundamental. Curiosidade intelectual talvez seja uma das características mais fundamentais para a liderança.
  • Tristan Harris, do Center For Humane Technology (responsável pelo documentário “Dilema das Redes”, na Netflix, entre outras ações): A tecnologia segue evoluindo, deep-fakes e a destruição da confiança já estão muito mais elaboradas. Não há mais confiança no digital. Nossa habilidade para lidar com a complexidade está diminuindo. Precisamos de sabedoria. A checagem de informações está longe de ser suficiente. Quanto mais on-line, maior o gap de percepção entre as pessoas. Só reforçamos as vozes mais extremas e eliminamos as moderadas. A representação passa a ser desproporcional. Entramos numa discussão baseada em gaps de percepção entre os extremos. Tudo isso supera a capacidade do sistema nervoso: reality jamming. Há fatos que mesmo quando a gente sabe, não conseguimos romper o viés interpretativo. Estamos presos num hall de espelhos. Não podemos mais alimentar modelos de negócios que nos dividem. Como podemos fazer um upgrade do paradigma? (o slide abaixo, para mim, foi o mais importante do SXSW). Há uma formação online gratuita para esse novo paradigma:
    https://www.humanetech.com/course
WhatsApp Image 2022 03 23 at 01.52.16
  • Priya Parker, a arte do encontro (autora de The Art Of Gathering): No digital, perdemos a infraestrutura informal da conexão. Essa infraestrutura é o que nos ajuda a quebrar a manipulação dos algoritmos. É normal termos que reaprender a encontrar, socializar e patinar um pouco no processo. Sempre é bom resgatar o porque de estarmos encontrando e nos perguntar qual o objetivo do encontro. A pandemia foi aceleradora de relações pro mal e pro bem. Esquecemos do poder das interações informais, sobretudo do meio da pirâmide pra baixo nas organizações. Para lidar com mais complexidade é melhor interagirmos presencialmente. Design de organizações: Como o poder deve ser alocado numa organização e distribuído? O RH esta descentralizando o poder ou concentrando o poder institucionalmente. Quero me submeter a essa estrutura de poder?
  • Scott Galloway, autor, professor, podcaster e suas previsões:Negócios ruins estão supervalorizados, com valuations que não fazem o menor sentido no mundo real. Vai piorar e o mercado vai ter que se corrigir pela geração de valor. Turismo espacial é ridículo! Se chama espaço porque não quer ninguém lá. É inóspito. A descentralização na verdade tem promovido a centralização de agentes mediadores, que estão crescendo e se apropriando. Metaverso será mais como o filme HER e menos como Matrix ou Player1. Super apps, que agreguem pagamento, transporte, alimentação, educação, consumo e socialização são uma forte tendência via aquisições. O próximo Vale do Silício não será em Austin ou Miami, mas na Cidade do México, por ter boa infraestrutura, baixo custo, melhor clima, língua mais familiar, entre outros fatores (para os estadunidenses). Felicidade de verdade se mede através do número de relações significativas que você tem. O ataque existencial de dopamina, promovido pelos meios digitais, nos tira do mundo real, é um risco e o metaverso piora esse cenário. Vivemos uma onda de unicórnios, mas teremos muitas demissões nesses unicórnios quando os valuations corrigirem. Veremos muita concentração nas plataformas de streaming, vai rolar corte, ajuste e integração.
  • Segundo Bruce Sterling, é curioso como não aprendemos nada com a guerra ao terror nos anos 2000, com a crise financeira de 2008 e com a pandemia desde 2020. Não melhoramos, nem corrigimos o sistema. Por isso, hoje vivemos um mosaico de consequências acumuladas. Precisamos realmente transformar o modelo mental que segue produzindo efeitos negativos em nossa sociedade. Para ele as NFT pareciam uma boa distração nos tempos de pandemia, mas não acredita que vão vingar no formato atual. Ainda é mais experimentação.
  • Austin Kleon, autor de Roube Como Um Artista: Não espere até saber quem você é e exatamente o que quer fazer, para só então começar. Comece e o resto se define naturalmente no caminho. Pegue as coisas que estão em sua frente e as recombine para criar algo novo. Se você não tem uma carreira, é porque provavelmente está fazendo algo mais interessante.
  • Curioso quando a Michelle Zauner, da banda Japanese Breakfast, destacou o sucesso ao gravar trilhas para videogames. Uma alternativa artística ainda pouco explorada pelo meio artístico.
  • Ja falei da Brené Brown e de Ted Lasso na edição anterior.
  • Agora outras conclusões pessoais:
    • O Facebook (ou Meta) virou a grande vidraça do evento (com toda razão), mas ainda fazemos pouco a respeito das Big-Tech. Todo mundo adora falar mal, mas tomar uma atitude é outro papo. Por isso gostei tanto da iniciativa do center For Humane Technology de criar uma formação sobre o tema.
    • Todos falam sobre o metaverso, mas há mais suspeitas do que certezas. A maioria desacredita a iniciativa de Mark Zuckerberg, mas vêem outros formatos, como Roblox, com bons olhos. Curti a ideia do metaverso ser mais em áudio do que visual, como Scott Galloway comentou.
    • Assisti ao documentário We Feed People, que é incrível, emocionante e transformador. Conta a história de do chef José Andrés e sua iniciativa para servir refeições em momentos de crise: desastres naturais, pandemia, guerras, etc. O filme foi dirigido por Ron Howard e estará disponível na Disney+ a partir de 27 de maio. Imperdível!

Críticas ao SXSW (parte 02)

  • A curadoria é predominantemente estadunidense, com alguns europeus e um pouco de brasileiros. Ainda é muito branca. Não é um festival global. A China e a Índia talvez sejam alguns dos polos mais fortes de inovação no mundo e não estavam lá. Também senti falta dos produtores de conteúdo coreanos. Não há quase nada de origem africana ou do Oriente Médio. Falta garimpar ideias e soluções mais globais, fora do mainstream.
  • Não se trata de um evento para especialistas. As abordagens são um tanto generalistas. Se você deseja mais profundidade, procure algo mais específico.
  • Há muitas falas contaminadas profundamente por interesses comerciais, editoriais, etc. Senti falta de uma agenda mais independente e menos patrocinada. Tudo parece embalado por um grande modelo de negócios: A palestra ou painel, que promove o livro, que vende a empresa e por aí vai…
  • A brincadeira é cara. A não ser que esteja patrocinado, não dá pra gastar menos de 3 mil dólares pra ter uma experiência minimamente razoável. Ou seja, isso já serve como uma medida de segregação que aumenta o sentimento de bolha de privilégios.
  • Precisamos acabar com a cultura do VIP, de verdade.
  • Não dá pra pensarmos um mundo novo, se seguirmos a mesma mentalidade de mercado, profundamente influenciada por interesses de Venture Capital e Private Equity. É essa mentalidade que ajudou a produzir muito do pior que vivemos hoje.
  • Todo mundo que está no festival é meio que um pitch ou cartão de visitas ambulante e isso é bem desgastante.
  • Quase não vi a presença das empresas de streaming. Haviam ações da HBO Max e da Amazon, mas Netflix e as demais não estavam. O mesmo vale para a ausência das plataformas de áudio, como Spotify e a discussão provocada pela história do Joe Rogan, por exemplo. Entre as big-tech, não vi nada de Google, Tesla, Apple, o que me pareceu estranho. Talvez sejam restrições dos acordos de patrocínio.
  • Ninguém, além dos brasileiros, liga tanto para o SXSW. Não se vê uma cobertura nos meios de comunicação americanos, europeus ou asiáticos, por exemplo. Assino vários e vi poucas referências ao festival, a não ser pela parte de entretenimento: música e filmes.
  • O festival teve aproximadamente 60% da sua audiência normal, umas 500 palestras a menos e te falo uma coisa: É gigante, caótico e muito intenso. Não sei se eu daria conta da carga total de conteúdo e muito menos se a cidade comporta, com um mínimo de conforto, esse tanto de gente (audiência total).
  • Vou chutar que pelo menos 30% do meu tempo em Austin foi nas filas. Faz parte do jogo, mas é cansativo.
  • Há muitas apostas em tendências, mas em alguns casos são profecias auto realizáveis e, em outros, são como os videntes fazendo as previsões em toda virada de ano. Ninguém se dá ao trabalho de apurar o que vingou e o que não vingou.
  • Alguns artistas reclamaram da intensidade do festival e dos excessos. Beck e Michelle Zauner criticaram sutilmente o modelo, por desgastar os artistas. Também ouvi críticas de alguns texanos que se incomodam com a presença do SXSW na cidade, mas não sei se valem como amostra para formar uma opinião definitiva. Só um sentimento que, sim, está presente em parte da comunidade local.

Destaques Musicais

  • Pude assistir a mais de uma dezena de shows pela cidade e 2 que não estavam na programação. Abaixo compartilho os destaques e descobertas: artistas que eu não conhecia, ou muito pouco, mas que adorei ver ao vivo.
  • Artistas que já conhecia e que superaram minha expectativa (exceto por um):
    • Japanese Breakfast: talvez uma das principais atrações do festival. É muito melhor ao vivo do que no álbum, que já é ótimo.
    • Pom Pom Squad: um dos meus discos favoritos do ano passado. Foi bom, mas ao vivo, decepcionam um pouco na execução.
    • Sasami: super perfomer de um som pesado. O álbum é mais interessante. O show é bem caótico e barulhento, mas vale para vê-la em ação.
    • Beck: fez um show acústico improvisado de quase 2 horas, como um ensaio aberto de um contador de histórias. Um formato muito diferente dos seus arranjos super elaborados.
  • Fugi duas noites para assistir à turnê de reunião do Gang Of Four e à última turnê do Bob Dylan. No caso, do Gang of Four, o que me surpreendeu foi o entusiasmo da banda, sobretudo do vocalista Jon King, que esbanja energia aos 66 anos. Já no show de Bob Dylan, a produção é impecável, é terminantemente proibido filmar ou fotografar, com gente monitorando a platéia o tempo todo. Dylan não interage com o público em momento nenhum, toca rigorosamente por 90 minutos e deixa o palco sem bis. O repertório não traz nenhum hit clássico e está mais focado nas gravações mais recentes do compositor. É incrível vê-lo, mas a experiência é um tanto fria.
Receba nossos posts GRÁTIS!
Deixe um comentário

This website uses cookies to improve your experience. We'll assume you're ok with this, but you can opt-out if you wish. Accept Read More