Mais antigo que o mito

“Quando eu te encarei frente a frente, não vi o meu rosto, chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto o mau gosto. É que Narciso acha feio o que não é espelho” (Caetano Veloso)

De acordo com a United Nations Refugee Agency, pelo menos quinhentos mil refugiados chegaram à Europa nos dez primeiros meses de 2015.

Sou metade libanesa (avós maternos), metade franco-portuguesa (avós paternos), paulistana filha de mãe carioca e pai gaúcho. Sou uma brasileira típica, portanto, e talvez isso me faça abominar ver fronteiras se fechando a outras centenas de milhares de pessoas no mundo que, por não suportar algo imposto por alguém que se considera superior a tudo e a todos, tiveram que abandonar uma vida normal – como a minha ou a sua – colocar meia dúzia de roupas numa mochila e se lançar ao mar, para, com muita sorte, sobreviver e tentar reconstruir sua vida ao lado de pessoas que acham a diversidade muito legal, até que o diverso apareça.

E se você acha que não tem nada a ver com isso, veja como, nas relações cotidianas, a aversão ao diverso pode se manifestar de outras formas: é muito fácil achar inteligente quem pensa igual a você, porque as conversas fluem e o resultado sempre parece ótimo. O conflito é apenas retórico e aí fica todo mundo confortável.

Também é confortável se reconhecer na mesma torcida, na mesma origem cultural, nas mesmas ideias, posições e preferências.

O que faz o mundo evoluir, entretanto, é a mistura, é o incômodo que uma opinião diferente da sua causa, é a dificuldade em solucionar um problema que você nunca viu, é o encantamento que uma pessoa totalmente diferente de você pode provocar.

Não conseguir valorizar aquele ou aquilo que é diferente do (seu) padrão é o que me ocorreu como a faceta mais negativa e improdutiva do narcisismo.

Por outro lado, outras centenas de milhares de pessoas sofrem, em todas as culturas do mundo, por acharem feio aquilo que veem no espelho – literal e metaforicamente. A ainda crescente conectividade somada à irrealidade do que se posta nas redes sociais parece fazer com que a baixa autoestima se manifeste hoje em dia mais do que em qualquer fase da humanidade.

Falando sobre isso outro dia, um amigo citou um trecho de Ralph Waldo Emerson que é bastante comum na literatura de autoajuda e diz que “ser você mesmo em um mundo que tenta constantemente fazê-lo ser outra coisa é uma grande conquista.”, para me fazer pensar se tínhamos achado uma faceta positiva do narcisismo, já que o fato de estar satisfeito com quem você é significa não precisar se adaptar a nenhum padrão estético, dogmático ou intelectual. Significa capacidade de diferenciar o que deve ser mudado do que pode ser mantido.

Se isso não se transformar na certeza arrogante de que você é um ser superior, provavelmente achamos. E uma pitada de narcisismo não só não faz mal a ninguém, como faz bem a todo mundo.

¿Que te parece?

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