CareerWashing: vale tudo pra emplacar sua carreira?

A lógica do “Fake it Till You Make it” (finja até dar certo) talvez até funcione no curto prazo, mas em longo prazo, pode gerar grandes problemas

Recentemente fui surpreendido pela necessidade de fazer um processo seletivo com certa urgência. 

Com o mundo digital aquecido, naturalmente que as empresas mais capitalizadas conseguem oferecer propostas salariais mais competitivas e isso dá aquela inflacionada no mercado como um todo.

Nada contra as pessoas ganharem mais, pelo contrário, sou super a favor. Mas quando fui procurar pessoas para nossas oportunidades de trabalho, fiquei surpreso com algumas descobertas. 

Talvez seja algo específico do mercado de Inovação, Design Thinking e Metodologias Ágeis. Não sei se posso generalizar para todos os setores. De qualquer forma, eis o que percebi: 

1 – Muitas palavras, pouca qualificação 

Dei uma busca pelos termos: Design Thinking, Service Design, Design de Serviços e gestão da inovação. Em princípio, fui impactado positivamente pela quantidade de pessoas com essas menções em seus perfis no Linkedin. De cara, fui selecionando alguns perfis, vendo onde trabalham, a experiência que possuem e aquela primeira analisada básica. No caso, por termos perdido duas mulheres em nosso time, fiz também o recorte de gênero, para balancear a equipe. 

O problema é que, na prática, muita gente colocou esses termos em seus currículos sem possuir experiências relevantes que as justifiquem. A lógica do “Fake it Till You Make it” (finja até dar certo) talvez até funcione no curto prazo, mas em longo prazo, pode gerar grandes problemas quando essas pessoas forem expostas a desafios com os quais não têm experiência para lidar. 

2 – A lei da oferta e da procura

Como todas as organizações estão em alguma medida procurando por profissionais de inovação, tecnologia, design thinking e metodologias ágeis e poucas são as pessoas realmente qualificadas, estas estão com o passe extremamente valorizado. Me assustei ao ouvir expectativas salariais de mais de 12 mil reais de pessoas recém formadas, na faixa dos 20 e poucos anos. Algumas das quais eu não contrataria nem para uma vaga de estágio. Não sei, mas demorei muitos anos pra começar a receber mais de 10 mil reais e mais do que isso, para sentir que merecia uma remuneração alta, pois gerava mais valor para quem eu trabalhava. 

3 – Contrate o caráter e treine as habilidades

O clichê é desgastado, mas sempre que pude, optei por formar pessoas em casa, ao invés de buscar perfis prontos no mercado. Profissionais prontos, custam mais caro, chegam cheios de vícios e nem sempre valem o quanto custam. Dessa vez não foi diferente. Buscamos pessoas que até possuem alguma experiência na área, mas que acima de tudo, demonstraram a curiosidade genuína, comprometimento e ao mesmo tempo a humildade para colaborar, aprender e trocar, passo a passo, reconhecendo a jornada a ser percorrida.  

4 – Uma bolha de expectativas 

Eu não conheço todas as pessoas que vi, nem as que entrei em contato. Nunca saberei se são boas ou não e não cabe a mim julgar. Também não conheço as empresas para as quais essas pessoas trabalham, muito menos seus planos de cargos, salários e recompensas, mas uma coisa ficou muito clara. Existe uma bolha de expectativas gerada em torno das pessoas que minimamente navegam no ambiente da inovação. Além disso, há também um processo inflacionário para as remunerações que não correspondem ao real valor para as organizações e seus clientes. Não posso afirmar por quem não conheço, mas sei sim de inúmeros exemplos em que é inacreditável a discrepância entre a capacidade profissional e o cargo e a remuneração recebida. 

Fato é que assim como existe uma bolha de expectativas no mercado de startups, sobretudo pelo excesso de capital disponível, o mesmo vale para muitas das pessoas que podem até parecer boas profissionais (e não digo que não sejam), mas que acabam alçadas a uma faixa de responsabilidades e remuneração totalmente desconectada da realidade. 

Mais uma vez, pode ser meu lado Cringe que urge neste momento, mas prefiro acreditar que as pessoas primeiro geram valor, depois são reconhecidas em suas carreiras e não ao contrário. De alguma forma, sinto que esse processo que inflaciona e supervaloriza a turma da inovação acabe por nivelar por baixo toda a categoria no longo prazo, na medida em que as expectativas sejam quebradas. Nessas horas penso em todas as pessoas acima de 50 anos que conheço, com uma incrível dificuldade de reinserção no mercado, cheios de disponibilidade, curiosidade e maturidade para agregar, mas que infelizmente acabam preteridos na maioria dos processos seletivos por aí. 

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