As tretas da vida nômade que não aparecem nas fotos

Estou focando nos inconvenientes, ao invés de “ostentar” (contém ironia) as maravilhas da vida nômade.

Ao buscar o termo “nômade digital” as imagens acima apareceram para mim. O ideia de viver assim pode parecer maravilhosa, mas esse estilo de vida esconde inconvenientes que não se vê nas fotos.

Longe de mim reportar um drama ou saga de superação. É óbvio que reconheço os privilégios de poder trabalhar remotamente e viajar pelo mundo, principalmente diante do momento econômico e social que vivemos. No entanto, quero falar do outro lado da história. É importante deixar claro que estou focando nos inconvenientes, ao invés de “ostentar” (contém ironia) as maravilhas da vida nômade. 

Sobre a vida pessoal:  

  • É impossível manter uma vida social, principalmente se você não for solteiro. Mesmo que seja, estar “na pista” não é a mesma coisa do que estar entre amigos. Conhecemos pessoas, mas não dá tempo de construir relações. 
  • Tudo parece mais legal online: O anúncio do Airbnb, a dica de restaurante, o passeio imperdível – é impossível distinguir o que é realmente bom do que é muito referendado na internet. Infelizmente as recomendações não servem de parâmetro, pelo contrário, podem ser grandes furadas. 
  • Em cada lugar você tem o trampo de investigar cada cidade do zero. Claro, o processo de descoberta é muito legal, mas há muitos aspectos sobre as cidades que a gente só conhece quando já tem intimidade com o lugar, não é? 

Sobre o nosso corpo: na lista há coisas que jamais imaginei que me afetariam, mas que sim, fazem diferença.

  • É mais difícil manter uma rotina de atividades físicas 
  • O corpo sente as mudanças de padrão alimentar. Por exemplo, a troca de cereal base, de trigo para milho, ou de frutas e vegetais, etc. Tudo isso afeta o metabolismo e o nosso funcionamento.
  • Trocar de colchão e travesseiros todo mês também faz a coluna reclamar, sobretudo se você tem mais de 40 anos.  
  • Lembre-se que não há seguro internacional que cubra rotinas. Serviços de saúde, só em caso de emergência. Manutenção só quando nos estabelecermos. Caso faça algum tratamento de rotina, prepare seus estoques de insumos.
  • O clima, a altitude, o PH da água e umidade do ar alteram a hidratação da pele, afetam a respiração e podem causar reações que talvez você desconheça. 
  • Alérgicos, preparem-se para a troca de ambientes constante. 

Sobre o trabalho: Não dá pra ser nômade digital, turista e profissional ao mesmo tempo. Dá um FOMO danado porque a gente quer ficar turistando, mas a agenda semanal não permite. Temos que nos lembrar a todo instante que não estamos em férias, mas vivendo nosso dia a dia, porém em países diferentes. 

  • Infelizmente a qualidade da internet ainda varia muito e não dá pra confiar.
  • As pessoas (clientes, família, colegas) te tratam como se você estivesse de férias. 
  • A troca frequente de fuso horário faz com que seja inevitável algum desencontro, mesmo com todo suporte tecnológico. 

Sobre o dia a dia: 

  • Ficar menos de 3 semanas em cada lugar é uma loucura. Não dá tempo de processar a mudança, se acostumar e assimilar o que está acontecendo ao redor.
  • Não dá pra carregar lembranças da viagem, nem presente pra ninguém. Ainda há muitos destinos pela frente e não rola de ocupar a mala com itens que não sejam essenciais.  
  • A variação de câmbio faz com que você perca a noção do preço das coisas. 
  • Somos dependentes do Google Maps! Ainda assim, às vezes, ele nos aponta para umas roubadas. (O mais provável é que você se engane através dele). 
  • No planejamento, temos que antecipar os aluguéis de forma integral e isso avacalha qualquer orçamento doméstico. 
  • A cada mudança temos que comprar as pequenas coisas do dia a dia a cada mudança: sal, azeite, tempero, sabão em pó – que só compramos de tempos em tempos em nossa casa. 
  • A insegurança de ter que despachar mala. Toda vez é uma oração.
  • A perda de itens essenciais como passaporte, carteira, cartão de crédito, computador, celular, fora do seu país é uma dor de cabeça infinitamente maior e pode comprometer todos os planos, causando um prejuízo em cascata.
  • A troca de padrão de tomadas e plugs. Nem sempre é fácil encontrar adaptadores. 

Sobre a burocracia: 

  • Cada país tem uma regra de entrada e um protocolo em relação à COVID. Não há um padrão para exames, vacinas, comprovantes ou protocolos. Temos que fazer uma pesquisa antes e depois de cada voo. 
  • Os bancos e seus procedimentos antifraude acabam travando os cartões a cada mudança de país. Nem todos os lugares aceitam cartões internacionais (por incrível que pareça). O Banco do Brasil me pede uma notificação prévia a cada mudança.
  • É impossível fazer compras online sem ter a documentação local (DNI, equivalente ao CPF) em alguns países. Por isso, esqueça as conveniências da Amazon ou Rappi. Mesmo quando o serviço funciona, há várias compras que pedem validação por SMS, sendo que seu chip de telefone mudou e não está habilitado onde você está, ou seja, um labirinto sem fim.  
  • Da mesma forma, cada lugar tem um processo para liberar e ativar chips de dados para o celular e temos que comprar um chip em cada país. Poderiam existir planos integrados que não custem uma fortuna. Pesquisamos e o custo dos que existem não vale a pena. 

Às vezes eu penso que cada uma das tretas citadas são quase uma oportunidade de negócios. Um “gap” não preenchido por um mercado local que não pensou na experiência do estrangeiro que não é, necessariamente, um turista. Em outros casos, penso que mesmo com toda a tecnologia e conveniência, ainda não somos tão globalizados quanto pensamos. 

Antes de ir embora, digo que mesmo diante das questões acima, jamais tomaríamos uma decisão diferente da que escolhemos. Não estamos “sofrendo” uma volta ao mundo, muito pelo contrário, é uma oportunidade única e somos muito gratos por isso. Além do mais, na hora que sentirmos a necessidade de retornar à estabilidade, voltaremos sem vacilar. Os pontos positivos e a experiência em cada país compensa boa parte dos contratempos, ainda mais porque sabemos que é um exercício temporário e que não estaremos assim para sempre.

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