Mais uma sobre as americanas

Primeiro, gostaria de me desculpar pela insistência no tema. Creio que nutro uma certa frustação política. Em diversas ocasiões me candidatei à presidente de classe, sendo miseravelmente derrotado em todas elas – apesar de em algumas dessas ocasiões, ao menos pela minha avaliação juvenil, ter tido uma plataforma razoável e nomes impactantes como companheiros de chapa (como na composição da “Chapa Última Esperança”, ao que um engraçadinho completou, escrevendo no cartaz que fiz para a campanha, “é a primeira que morre”). A única vez em que fui “eleito” para algo, foi para ocupar o cargo de “Diretor Esportivo”, ao qual fui defenestrado pelos meus colegas semanas depois da posse, por querer instituir a prática do Rugby (esporte que eu estava envolvido na época), fato este, considerado deplorável pelos meus eleitores. Pois é, como Collor e Dilma, também sofri um impeachment.

O tema, assim como o do último texto, novamente resvala no tópico “eleições americanas”. Concordo que esta situação é similar a assistir a um campeonato ao qual o seu time não participa. Mas também é interessante exatamente por isto, porque se pode acompanhar sem a paixão da torcida (e comentar, por exemplo, sobre as municipais deste ano, é um “prato cheio” para exercitar estas paixões à flor da pele). Portanto, vou de americanas mesmo.

Acreditava que a campanha do Trump estava condenada desde o início – e de verdade torço para que, ao fim e ao cabo, ele não vença – mas, para minha surpresa, ela continua de certa forma competitiva até a reta final. É natural ficar intrigado. Quanto mais reflito, pendo para a explicação de que há muita gente irritada com a classe política (em alguns casos, o sentimento é de ódio mesmo). É um fenômeno mundial, na minha opinião. As causas são inúmeras e variam de acordo com o local geográfico, aqui no Brasil creio que é muito estimulada pelo fisiologismo e corrupção encontrados no meio.

Estas pessoas formam várias minorias, que apesar da raiva (e talvez por conta dela), não se sentem conectadas a plataformas políticas. Com polarizações, estas minorias acabam pendendo para algum lado e geralmente é o lado que mais pode causar estrago à classe política estabelecida. Em algumas ocasiões, essas minorias somadas se tornam maiorias e realmente abalam os políticos, como se pôde ver no caso do Brexit e da rejeição ao acordo de paz na Colômbia. Acontece que o efeito colateral atinge outras minorias além da odiada classe política. E nesse contexto, principalmente para as minorias que perdem, a democracia e a sua face mais visível, o voto, acabam sendo classificados como injustos. Vejo a eleição americana reforçando esta situação.

Agora, por mais injusta que possa parecer a democracia (e o voto), penso que ela é melhor do que a sua opção (poucos decidindo e muitos sem direito a opinar). Cito sempre meu “guru político” como sendo o Axl Rose (não é piada). A frase da canção Civil War, “você não pode confiar na liberdade quando ela não está em suas mãos”, me marcou desde a adolescência e, de certa forma, se integrou ao meu próprio modelo mental. Sinto calafrios quando vejo uma situação de polarização e que tem potencial de atingir a democracia pela descrença ou minimização do voto. Coisas como “o voto de alguns deveria valer menos (ou mais) do que o de outros” ou simplificações como “coxinhas e petralhas” para classificar eleitores, que tenho ouvido muito ultimamente, me causam preocupação. Nestas horas, penso ser válido reforçar a importância da democracia e das suas instituições, principalmente aquelas responsáveis pelo sistema de freios e contrapesos. Eleições são oportunidades de influenciar na composição destas instituições, por isso sinto falta de moderados e foi este sentimento que me instigou a escrever o texto anterior e a continuar a refletir sobre o tema.

Nutro também uma simpatia pela candidata democrata. Talvez por enxergar certa similaridade entre nós, ao menos no quesito construção de narrativas. Preferimos construir nossas narrativas pelo nível granular, que basicamente é começar pelos detalhes e a partir deles ir, passo a passo, construindo os argumentos e contextualizando-os ao longo do caminho. O risco de se fazer isto é construir narrativas longas e chatas – o ponto forte do processo é estimular uma reflexão mais profunda. No meu caso, o resultado acaba se traduzindo em poucos likes e visualizações, no dela pode ser menos eleitores em novembro. Também se traduz por uma falta de paciência com retóricas messiânicas e slogans hiperbólicos e uma inabilidade para discursos grandiosos. Repare que este é um caso de característica pessoal – não há nenhuma inferência se é melhor ou pior (mesmo porque sou parte interessada), mas certamente parece influenciar no desempenho dela e em um ambiente como o atual, pode explicar porque não têm conseguido se conectar com o eleitorado.

Por tudo isto, me causou estranheza a opção da candidata em polarizar. Ao se colocar como o oposto do republicano – e não como uma alternativa mais moderada – a escolha acabou se resumindo a dois lados antagônicos, o que para alguém que é uma “adepta” do nível granular de narrativa, é um “tiro no pé” – exatamente pela incapacidade de prover discursos grandiosos. Um antigo político americano, Mario Cuomo, certa vez comentou que campanhas são feitas como poesia e governos como prosa, o ponto forte da Hillary está na “prosa” e não na “poesia”.

De qualquer forma, meu interesse pelas presidenciais americanas entra muito no campo do benchmarking: será que a irritação (e o ódio) contra a classe política pode virar maioria também aqui no Brasil? Será que a opção necessariamente tem que ser alguém que “manda bem” em um discurso messiânico? Espero que o engraçadinho que escreveu o complemento no cartaz da minha campanha, tantos anos atrás, não seja um visionário.

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