Artigo: A poderosa liquidez do SXSW 2017

Muito se falou do FOMO (fear of missing out ou medo de ficar pra trás) causado pela infinidade de seminários, de palestras, de bandas, de shows, de filmes, de exposições no SWSX em Austin, Texas. Muito se falou da dificuldade de se escolher a melhor atração entre as inúmeras existentes em um mesmo horário. Muito se falou sobre as tendências e os temas abordados neste ano como o empoderamento da mulher, a diversidade que gera lucros, a BOTização das relações homem/máquina, os novos usos da realidade virtual, a volta da mixologia e da comida menos processada e cada vez mais diretamente vinda do produtor, os avanços que a inteligência artificial traz para a saúde, para a arte, os games e até para se fazer o bem ao outro (existe agora um algoritmo que encontrar crianças perdidas em vídeos pornô através de reconhecimento facial).

Mas pouco se falou como o SXSW consegue transpor para o mundo real a experiência virtual que temos diariamente como consumidores ou criadores de conteúdo nos nossos dispositivos e redes sociais. E talvez seja por isso que faça tanto sucesso com os nascidos no mundo digital e conectado.

Pelos corredores, são milhares de jovens barbudos e meninas com sneakers vindos de todo o mundo e absorvidos por seus celulares, buscando a próxima grande palestra no app do SXSW. Cabeça para baixo, pouca abertura para bate-papo. Sim, você pode usar o mesmo app para achar pessoas com os mesmos interesses que o seu a sua volta e fazer network. Mas o velho olho no olho, raridade. Puxar conversa na fila, perguntar sobre o que está ocorrendo de legal, nem pensar. Imagina perder tempo num papo com um estranho se tenho 15 palestras para escolher agora? Sabe aquela fissura de abrir o browser com 200 abas pessoais a cada manhã para se informar? No SXSW, ela é substituída e satisfeita pela escolha de um número colossal de seminários, experiências, workshops e seções particulares com mentores.

A sociedade líquida do Bauman está encenada em escala menor e real no Austin Convention Center. Pessoas se preocupando com o agora e com sua individualidade. A corrente de insegurança e incerteza que molda nossa sociedade e que nos faz prezar cada vez mais pelo bem pessoal, e não pelos objetivos gerais da sociedade.

Mas isso é ruim? Claro que não. É a nossa realidade, é o nosso presente. E a agonia que a falta de relacionamentos verdadeiros na vida real causa, dá para o festival a chance de fazer ainda mais sucesso.

O SXSW se aproveita desse mal-estar e nos ajuda a resolvê-lo criando, paradoxalmente, oportunidades para se exercer o mais básico instinto humano: se relacionar e socializar. Por isso, palestras sobre relacionamento humano básico e influência por “pré-suasão”, como a do professor Robert Cialdini, lotam. O seminário sobre neurociência do Christopher Graves, da Ogilvy PR, que fala sobre a importância da narrativa no relacionamento humano, tem que ter sessão extra. Nunca na nossa história buscou-se tanto aprender sobre relacionamento humano. E temos que fazer isso antes do Watson e seus comparsas em AI, que, por sinal, já estão quase lá pelo que foi apresentado nos workshops do SXSW.

A cartada final, para explicar por que o SXSW é sucesso? Pensadas em cada detalhe para agradar quem está agoniado por não fazer amigos durante o dia e por ter ficado no seu próprio mundo digital móvel, os zilhões de festas, bandas e bebidas grátis nas mais diferentes venues em Austin. Lugares únicos, onde você pode entrar para conhecer gente e se embeber com as incontáveis cervejas texanas.  E ainda fazer selfie com a banda, e postar o espaço “instagramável” presente em cada um dos eventos, e fazer um live video da performance daquele novo rapper-promessa. E no dia seguinte, voltar sem culpa para o seu mundinho individual, agora com muitos mais likes, mas também com muitas palestras para se ver, num ciclo infindável de mais de uma semana.

Como disse Buzz Aldrin, o segundo homem que  pisou na Lua, em sua palestra este ano no SXSW: “A gente tem que explorar para não expirar”. Não existe melhor liquidez nos dias de hoje do que essa. E o SXSW está em posição muito favorável neste quesito.

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