Go Back, Torquato Neto.

Em um dos episódios do seu programa no Canal Brasil, Gilberto Gil chamou Zé Celso, diretor e fundador do Teatro Oficina, para um papo. Assim que Gil encerra Marginália II, a canção escolhida para abrir a conversa, de improviso, diz: “É aquela coisa, né? Aquele tempo nosso que nunca foi nosso. É do próprio tempo, que não é do tempo, é do eterno. Que não é do eterno, é do todo. Que não é do todo, é do nada.”

Marginália II é uma letra de Torquato Neto, um jovem do Piauí que se mudou para Salvador aos 16 anos, virou amigo de Caetano, Gil, Gal e Tom Zé, e foi um dos espíritos culturais que fecundou a Tropicália, o importante movimento da nossa história.  

VIR VER OU VIR TORQU4TO, em cartaz justamente no Teatro Oficina, em São Paulo, é um show performático que reúne a obra do artista. Não é tarefa fácil. Além da poesia, ele foi cineasta, agitador cultural, jornalista, compositor, roteirista, desenhista e tantos outros nomes civilizados para dar dignidade ao poder criativo de uma pessoa. 

Civilizado porque o rótulo serve mais a quem bebe o que é produzido do que ao artista que passeou por tantas vertentes.

A inquietação criativa, uma marca prodigiosa da juventude dos anos 60 e 70, achou em Torquato Neto um corpo que nunca seria totalmente preenchido e, por isso mesmo, um corpo perfeito. Todas as Horas do Fim, o documentário sobre o artista, capta o raciocínio. O show perfomático do Oficina se interessa pelo seu delírio. 

O espetáculo tem boa direção artística, atuação e voz de Zé Ed, que usa o incrível espaço do teatro também de maneira fragmentada, forçando o espectador a caçar o fantasma de Torquato Neto. Clara Bastos, Luiz Gayotto e Moita Mattos, formam a banda e uma série de atuadores, como Jards Macalé e o próprio Zé Celso, encenam e cantam os textos e as músicas. É lindo o momento em que Zé Ed grita “Artaud, o teto!”, deixando descoberto o teatro e transformando o céu da cidade em cenografia. 

As canções ao vivo são imãs para declamações ora doces, ora irônicas, mas sempre abertas ao máximo de sensibilidade. 

A obra de Torquato Neto é bem fragmentada. Seus estilhaços de música, imagem, poesia e atuação cortam do cotidiano aquilo que ele tem de mais poético, mais sonoro, mais instintivo. E nem podia ser diferente. A Tropicália que ele ajudou a inspirar unia pedaços históricos, sociais e culturais para registrar um novo RG ao povo brasileiro. 

Esse coro de contentes desafinou algumas vezes? Claro. A beleza de VIR VER OU VIR TORQU4TO é puxar o passado até 2023 para expor que o Brasil precisar ensaiar muito para transformar sua história em um show perfeito. Se Go Back, uma de suas belas composições com os Titãs exala jovialidade, Marginália II é um alarme de incêndio. Aqui, o pânico e a glória, a culpa e o degredo, aumentam a temperatura da nossa já tropical melancolia. Aqui é o fim do mundo. É? 

O espetáculo não usa a obra de Torquato Neto como juiz da sentença. Em vez disso, transborda esperança para inspirar aquilo que o artista viveu. Não é uma homenagem, é uma saudação entre tempos. 

Porque é aquela coisa, né? Aquele tempo nosso que nunca foi nosso. É do próprio tempo. Que não é do tempo, é do eterno. Que não é do eterno, é do todo. Que não é do todo… é do nada.

E Torquato só queria saber do que podia dar certo. 

Não tinha tempo a perder. 

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