A Publicidade Vai Ao Cinema | A arte do engano no documentário “Fyre Festival”

Toda a publicidade que sustentou Mcfarland – e alimenta figuras como ele – parte do mesmo princípio: a exclusividade.

Com login e senha, qualquer pessoa no mundo cria um perfil em uma rede social. E embora a dinâmica em cada uma seja independente, elas tem projetado uma sociedade que usa o “exclusivo” como base moral. Se Mark Zuckerberg transformou isso numa cultura, Billy Mcfarland não teve tanta sorte. Ou teve? 

“Fyre Festival”, documentário da Netflix, é sobre o sucesso dos fracassos de Mcfarland, e investiga como nós – os usuários – somos enganados.

Magnises, uma de suas empresas, era também uma espécie de clube de assinaturas onde os membros ganhavam ingressos para festas pagando 250 dólares. A estratégia por trás disso era convencer uma infinidade de millennials a projetarem suas vidas por meio da exclusividade. Os membros compravam ingressos que, misteriosamente, eram invalidades no dia do evento. 

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Mcfarland e o rapper Ja Rule, seu sócio.

Antes do suflê murchar, Mcfarland criou a Fyre Media, outra plataforma feita para que pessoas ricas dessem lances e contratassem celebridades para eventos privados. 

A ideia seria lançada em um festival de música que aconteceria num lugar altamente instagramável, com acomodações luxuosas, numa ilha que pertencera ao traficante colombiano, Pablo Escobar. A divulgação era ótima: modelos e celebridades no lugar onde seria construída a estrutura do festival, e uma ação de guerrilha onde as mais influentes personalidades postavam a mesma imagem, na mesma hora e na mesma rede.

Nada disso era verdade. Todas as pessoas que pagaram pelo Fyre Festival encontraram barracas improvisadas, nenhum tipo de estrutura, comida ou qualquer coisa que lembrasse 1/3 do que tinha sido prometido. 

Descrito pelo The New York Times como “um Gatsby com um filtro de instagram”, em alusão ao contrabandista do livro de F. Scott Fitzgerald que dava altas festas em sua mansão, Mcfarland é um golpista desta era digital. 

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A estrutura do Fyre Festival

No livro “Falso Espelho”, a escritora Jia Tolentino define bem o período cultural que criou Mcfarland. “Isso aconteceu depois do advento dos reality shows e do Facebook, que se valeram dos recursos naturais renováveis de nosso narcisismo para criar um mundo onde nosso eu, nossos relacionamentos e nossa personalidade não fossem apenas monetizáveis, mas algo que dependia da constante monetização. (…) Isso aconteceu após a crise financeira de 2008, “o evento que inaugurou a ideia de que, na era dos millennials, a maneira mais rápida de vencer é enganando alguém”. 

Toda a publicidade que sustentou Mcfarland – e alimenta figuras como ele – parte do mesmo princípio: a exclusividade como um bem de consumo. A fronteira invisível estipulada por Mcfarland a cada novo golpe se apropriava de um movimento cultural, carente e muito sensível para balizar quem vence e quem assiste; determinar quem merece mais atenção ou rejeição, e sobretudo examinar quem serão as próximas vítimas dessa fantasia. 

A exclusividade não é uma qualidade, mas o exato oposto. “Estamos vendendo um sonho irrealizável para o perdedor médio”, disse ele enquanto filmavam o vídeo de divulgação do Fyre Fest.

O documentário aborda Mcfarland mais como uma consequência do que um criador. Não o exime da culpa, mas entende-o como um personagem decadente, mas ironicamente, inspirador. Esse é o grande problema: Mcfarland é uma mentira. Sua vida e seus negócios também eram. Não há lição de empreendedorismo, de criação ou publicidade no que ele fez. Ao criar uma cadeia de influenciadores, celebridades e personalidades que vendem um estilo de vida e impactam milhões de pessoas, a gente estuda a história pelo ponto de vista do fracasso só do festival.

Há uma distância entre o feed moral de Mcfarland e o dos creators de moda, beleza, fitness ou cultura que todos nós seguimos. O problema não é mais se eles vão se encontrar, mas se veremos a diferença. 

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