Como minha mãe me ensinou sobre redes sociais numa época que não existia Facebook

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(post enviado pela leitora Paola Rodrigues)

É de conhecimento geral que nosso sistema de ensino falhou miseravelmente com professores e alunos. Criamos uma máquina azeitonada com uma péssima remuneração e descaso; uma didática baseada em repetição e salve-se quem puder. Sim, sou uma revoltada por ter passado dez anos da minha vida dentro de uma instituição que me ensinou muito sobre como detestar aprender.

Vamos para a escola para aprender a odiar aquele lugar e a entender que conhecimento é algo muito problemático, um tanto inútil. Talvez esse não seja o balanço final para mim, ou você que lê este texto, mas para a grande maioria dos alunos da rede pública de ensino essa é a realidade. E eu ouvi tudo isso de uma professora que também foi vítima do grande ciclo: ela detestava dar aulas.

Introduzo essa realidade um tanto terrível para desenhar em linhas claras como nós crescemos entendendo conhecimento como algo linear, uma seta que aponta seu rumo inexorável. Você nasce, brinca um pouco, aprende o “básico” sozinho, vai para a escola e lá é introduzido ao “conhecimento real”. Aprende a ler, escrever, somar, subtrair, redigir duas páginas para receber um visto, a entender a hierarquia básica da vida que consiste em anotar, compreender e sacudir a cabeça em sinal positivo. O importante é o resultado, não o processo. Tire notas boas, passe de ano e continue sua linha de sucesso até o vestibular. Com dezessete ou dezoito anos escolha aquilo que você irá fazer pelos próximos trinta anos da sua vida, pague todos os impostos, faça a máquina girar. Seja feliz, ou não seja, o Prozac te ajuda nisso.

Com quinze anos abandonei a escola e isso foi o maior desgosto para a minha mãe. Ela tinha certeza que iria ser uma vagabunda, impossibilitada de ter algum sucesso crível e palpável. Leia-se, monetário. Entendo a angústia da minha mãe, uma costureira que trabalhou exaustivamente para manter dois filhos, uma depressão sob controle e a constante descrença geral longe da porta de casa. Mas naquela época eu não sabia ainda que essa decisão era a minha única saída. Aquele foi o momento em que fazia jus a tudo que havia aprendido com minha mãe — pois é. Depois iria concluir o Ensino Médio com uma prova do ENEM e conseguir nota para dar continuidade aos meus estudos, e até escolher um dos cursos mais concorridos. Destoando do que restava de esperança na minha família: disse que jamais iria fazer medicina ou engenharia, escolhi estudar e trabalhar com Comunicação.

Catarina, minha mãe, estudou até a quarta série do ensino fundamental. Nasceu, cresceu e sofreu num pedaço de mato da região rural de Taubaté, Vale do Paraíba, interior de São Paulo. Lá em 1965 não havia necessidade de estudar, mas havia urgência em aprender a ordenhar uma vaca rápido. Meu avô era dono de vários quilômetros de terra constantemente inundados por cabeças de vaca. Era uma família problemática, violenta, com casos severos de transtornos mentais. E foi assim que uma jovem viveu até que com quinze anos engravidou.

Casou com um pulha que espancava ela e meu irmão até quase perder os sentidos. Histórias horríveis permearam sete anos de um casamento abusivo, até que um dia minha mãe expulsou ele de casa e disse um literal foda-se para uma sociedade que aponta o dedo na cara de mãe solteira.

Costurou sombrinhas numa fábrica por anos. Costurou de tudo, até que conheceu meu pai. Engravidou e começou a criar lingeries. Cresci no meio de viés, tecido, renda, lacinho de calcinha e bojo de sutiã.

O mais curioso da vida é perceber que minha mãe trabalhou exaustivamente por anos para que tivesse a melhor educação e não percebeu que o conhecimento mais precioso que eu teria na vida era ensinado em cada vírgula da história de uma mulher que nasceu no meio do esterco de vaca e criou as peças mais lindas que já vi.

Por madrugadas minha mãe se debruçou na mesa rabiscando, colocando tecidos do lado de tecidos, comparando, esboçando suas criações. Criava calcinhas para tamanhos reais, para “gordinhas popozudas” como ela. Sempre fazia o sutiã mais ajustável, com tecidos que suportassem mais peso ou um busto mais largo. Foi meu primeiro contato com um processo criativo, com a persistência e singularidade de todo dia ter que entender a necessidade do cliente.

Depois eram horas costurando, ajustando e testando. Por fim ela visitava amigas conquistadas em feiras, filas de banco, amigas das amigas que nunca teve, mas conversou um dia. Percebi que minha mãe estava constantemente falando, se movimentando, ligando pontos. Lembro que quando ficava internada no hospital, ela aproveitava e levava “provinhas” para as enfermeiras. Sempre tinha um conjunto na bolsa, um “leva pra casa, se não gostar você devolve”. Nunca ninguém devolveu.

Ela sentava por horas com mulheres e ouvia seus problemas, fofocas sobre outras pessoas, pequenos segredos da vida conjugal, os sofrimentos de se criar filhos, os horrores do machismo. Ela contava sobre si e nisso criava abertura para as pessoas falarem sobre si. Ali nascia a conexão e ela usava essa conexão para garantir nosso sustento.

Em 1995 minha mãe vendia amor, amizade, conforto, compreensão, diversão e uma cultura própria em forma de lindas lingeries para mulheres que queriam mais. Ela não sabia o que era Marketing Reverso, Unbound, Endomarketing, SAC 2.0, Storytelling, Transmídia, Social Media ou até mesmo internet discada.

Catarina não sabia o conceito e teoria, mas praticava isso com suas clientes todo dia. Seu caderninho surrado e manchado era sua versão de Facebook; ali ela anotava nome, telefone, referência, número e preferência de produto. Ligava sempre para saber as novidades, era ombro amigo, confiança e constantemente lembrada.

Possuía frases próprias que se transformavam em campanhas, gerava conteúdo espontâneo com dicas. Minha mãe criava virais que perduram até hoje. Eu sou Paola, filha da Catarina, costureira do Campos Maia, aquela moça que fazia aquela calcinha que não enfiava no rego, super confortável. Lembra?

O que tento passar com esse texto longo e cheio da história de uma mulher comum? Não precisamos ir na Universidade para aprender sobre comunicação, publicidade ou como nos aproximar/fidelizar clientes. Precisamos ouvir, enxergar e praticar mais a empatia. Tudo que virá depois disso só irá acrescentar ao que conseguimos cultivar de forma espontânea. É necessário saber o que você quer antes de entrar numa universidade para ter um diploma.

Minha mãe fez tudo isso com o famoso feeling. Ela percebeu em algum momento que aquele nicho precisava de uma amiga antes de uma vendedora, que a necessidade de produtos confortáveis era superior à apelação de algo sexy. Ela ouvia o cliente e ele retornava isso garantindo a sobrevivência da minha família.

Na escola aprendemos que conhecimento é algo adquirido por instituições de ensino, mas não! Conhecimento é adquirido a todo momento, só precisamos aprender a direcionar nossa atenção para isso. Informação sendo transformada em conhecimento. Nossas habilidades e competências precisam ser exaustivamente exploradas. Focar no nosso melhor e aprimorar isso. Entender o próximo. Humildemente absorver o conhecimento que vive nas pessoas mais velhas, menos favorecidas e constantemente esquecidas, porque é nelas que reside a sabedoria. Quem se torna pano de chão de uma sociedade que descarta pessoas entende muito bem o que move a massa.

O maior perigo de quando institucionalizamos o aprendizado é que criamos a sensação de que não podemos agregar fora de uma sala de aula, ou que o conhecimento adquirido dessa forma não é válido. Criamos pessoas viciadas em sistemas que hierarquizam e simplificam a informação.

Minha mãe foi a maior professora que já tive ou vou ter na vida. Não posso coloca-la no meu CV ou Portfólio, mas posso homenageá-la em cada campanha que trabalho, em todo material que produzo, em tudo que crio.

Existem mais de seis mil idiomas no mundo. Temos a internet e mentes brilhantes disponíveis em palestras online. O acesso à informação tem se tornado maior e mais constante. Mesmo assim temos terríveis problemas para nos comunicar, para ligar pontes.

Precisamos aprender a olhar para trás e perceber aquilo que nos criou antes de buscar novas técnicas de comunicação. Todos começamos balbuciando uma língua desconhecida e única, babando e tentando subir num sofá, lembre-se disso.

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