Bingo, o Rei das Manhãs (e da infância do meu irmão)

Me perdoa, Bozo?

Na década de 80 havia apenas uma TV na minha casa.

E ela tinha que ser dividida entre três crianças.

Essa época ficou conhecida como a grande batalha do controle remoto, mas eu e minha irmã sempre saíamos vitoriosas.

Meu irmão era mais novo, portanto, tinha que aceitar calado a nossa tirania.

A gente era capaz de qualquer coisa para mandar na programação matinal.

Uma vez deixamos ele trancado num armário por horas, dava para ouvi-lo gritando uns dois quarteirões: Bozo, me salva?

Mas era a Xuxa que cantava, no último volume:

“Bom dia amiguinhos, já estou aqui”. 

A gente delirava e pulava no sofá, ninguém nem lembrava que tinha irmão.

Toda manhã era assim.

A nossa Rainha descia da nave espacial, com suas botas brancas até os joelhos, e maiôs inacreditavelmente cavados.

Meu caráter foi formado ao som e coreografia de Ilariê.

Enquanto isso, meu irmão esperneava para ver o Bozo.

– O que esse pirralho quer com esse palhaço idiota?

-Quem em sã consciência prefere ver um negócio desses do que a Rainha Xuxa? 

Não tinha o menor cabimento.

-Não vai mudar de canal coisa nenhuma, quem mandou nascer por último?

Era treta pesada toda manhã.

Minha mãe e meu pai, cansados, saiam em defesa dele.

-Deixa ele assistir um pouco. 

-Um dia de cada um.

-Parem de briga, peloamordedeus.   

Até parece, aqui é #xoudaxuxa.

De tanto chorar, um dia ele ganhou uma TV só para ele.

De vez em quando a gente dava uma olhada com desdém.

-Aff! como pode gostar desse palhaço?

E foi nesse ambiente de disputa entre os dois ícones da cultura pop infantil que a gente cresceu.

bingo1Nem lembrava mais disso (pois cinco milhões de anos se passaram) até que essa semana, sem muita pretensão, fui ver “Bingo- O Rei das Manhãs”.

O filme é inspirado na história de Arlindo Barreto, um dos intérpretes do palhaço Bozo, que era uma das pessoas mais famosas do país. E, ao mesmo tempo, um completo desconhecido.

Um desconhecido que conseguiu bater o ibope da Xuxa e assumir a liderança das manhãs infantis.

Mas a sua verdadeira identidade, no auge da fama, nunca pode ser revelada. Uma frustração quem entre outras coisas, o levou a consumir cocaína e crack nos bastidores do programa.

Só com essa premissa já dava para ter um filme incrível. Mas a história do palhaço vai muito, muito além. Saí do cinema e liguei para o meu irmão:

-Você tinha razão, o Bozo era muito mais legal que a Xuxa. Se eu soubesse disso antes jamais teria te trancado naquele armário. E teria deixado você mudar de canal mais vezes. 

Me perdoa?

“Bingo- O  Rei das Manhãs” está em cartaz nos cinemas de todo o Brasil.

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