A arquitetura da exclusão

Por Estevan Sanches

Segundo o dicionário, o significado da palavra cidadão é “Habitante de uma cidade; Indivíduo no gozo dos direitos civis e políticos de um Estado.” Entretanto, como bem sabemos, alguns grupos da sociedade não são tratados de forma justa, ou até mesmo respeitosa, pelo estado e pelos próprios cidadãos em questão.

Muitos veem barrados seus direitos civis, que são por definição os direitos fundamentais à vida, à liberdade, à propriedade privada e à igualdade perante a lei; os mesmos direitos que também integram o direito de ir e vir e de liberdade de expressão e pensamento. De forma direta, ser cidadão significa pertencer a cidade e gozar de seus benefícios, como ser-humano, assegurados pelo poder em suas diferentes esferas. Entretanto, aparentemente alguns líderes desconhecem a definição de cidadão.

Uma forma de expressar essa segmentação de quais grupos dentro da cidade são assegurados pelo poder público de seus direitos como cidadãos e quais não são, é por meio da arquitetura. Mas antes de nos aprofundarmos nesse tópico vamos entender como, através da arquitetura, é possível transmitir uma mensagem tão poderosa quanto a exclusão.

Na novela “Notre-Dame de Paris”, de Victor Hugo, em uma pausa o autor disserta a respeito do conceito de arquitetura: “Desde o princípio dos tempos, culturas do planeta terra escreveram seus pensamentos por meio de pedras”, citando exemplos da cultura celta e hebraica. Ou seja: nossas construções são como símbolos, e transmitem mais a respeito de nossa cultura e costumes do que parece em um primeiro olhar.

Um dos aspectos mais importantes no dia a dia de quem vive em uma grande cidade é a segurança. Somos bombardeados por notícias de acidentes, assaltos e sequestros, o que faz com que redobremos a atenção em muitos casos, e por consequência acaba nos privando de algumas experiências.

É dentro desse contexto que surge o conceito da arquitetura da exclusão (também conhecida como arquitetura do desserviço ou arquitetura hostil). Por meio de pinos metálicos, arames, divisórias de bancos, pedras pontiagudas e outros materiais, algumas estruturas visam impedir o repouso de moradores de rua e a prática de alguns esportes, principalmente o skate, mas acaba afetando a todos. Em alguns lugares, não é possível sentar-se para uma boa conversa, caminhar ou abraçar alguém sentado em algumas praças pública de forma confortável graças a inclusão dessas estruturas intimidadoras.

É incrível a nossa capacidade de construir algo físico visando descontruir coisas particulares, como o relacionamento da cidade com seus cidadãos, em espaços que deveriam ser comuns a todos, por serem públicos.

O início

A polêmica a respeito do conceito da arquitetura da exclusão é antiga (no século 19 algumas estruturas como os defletores de urina já eram adotados em espaços públicos), mas o termo mais recente foi adotado no início desta década, quando a prefeitura de Londres encomendou bancos esculpidos em concreto com a superfície inclinada e resistentes a pichações. Eles foram batizados de bancos Camden, nome do distrito londrino que inaugurou os assentos, que foram criados exclusivamente para serem utilizados como bancos. A ideia era tirar os skatistas do local, já que os bancos anteriores eram usados para suas manobras.

Uma vez que sua superfície levemente inclinada, os novos bancos tornaram a prática do esporte mais difícil, assim como a permanência de moradores de rua no local, uma vez que os assentos mostram-se desconfortáveis para qualquer pessoa que tente deitar-se sobre ele.

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Em 2014, skatistas da Inglaterra averiguaram se realmente era impossível praticar manobras de skate no banco, conforme registrado pelo jornal The Guardian.

Na questão específica dos moradores de rua, que tipo de política pública como essa visa resolver o problema da desigualdade drástica no país? A questão, mais uma vez, é maquiado e remendado às pressas, sem considerar o problema a longo prazo.

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O documentário que leva o nome do conceito, “Arquitetura da Exclusão” (2010), contém temas como a intolerância social e as “técnicas” de isolamento e segregação advindas do poder público, propondo uma reflexão a respeito da construção de muros ao redor da comunidade de Santa Marta, localizada no bairro do Botafogo (zona sul) do Rio de Janeiro, cuja justificativa é o de preservação ambiental, já que existe a preocupação de que a ocupação expanda-se e desmate a vegetação nativa restante no morro.
Essa seria a melhor forma de conscientizar a população? Uma vez que muros podem ser derrubados, mas ideais como o da preservação ambiental, dificilmente são?
Durante uma série de entrevistas, um dos moradores ressalta a grande quantidade de câmeras espalhadas pelo morro e os 120 policiais da UPP presentes (a comunidade foi a primeira integrada ao plano da UPP em 2008), provavelmente devido ao fato do morro estar localizado à frente e abaixo do Cristo Redentor, proporcionando uma visão privilegiada da cidade em sua parte mais alta e ser um destino cada vez mais frente de turistas do mundo inteiro. Esse fato tem seus prós, como o fato da comunidade ter sido beneficiada também em 2008 pelo Plano Inclinado (elevador que leva moradores e visitantes até o topo do morro) e também pelo Programa Estadual de Urbanização, por meio do qual foram realizadas obras de infraestrutura, incluindo redes de esgoto, drenagem e distribuição de água. Entretanto, como contra existe a perda da liberdade por parte de sua população, uma vez que o local deve seguir “nas normas”.


Trecho do documentário “Arquitetura da Exclusão” (2010).

Os objetivos da chamada arquitetura da exclusão são extremamente imediatistas, e não são pensados a longo prazo. Afinal, quem sente-se confortável em uma cidade onde seus espaços públicos não são devidamente aproveitados? As obras públicas possuem como finalidade serem usufruídas, e não só admiradas. São necessárias mais políticas visando o bem-estar social e planos em conjunto que envolvam sim a arquitetura, porém de maneiras que não excluam quaisquer grupos sociais, visando que os direitos como cidadãos da população em geral sejam assegurados.

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