por Nano Fregonese
Quando a gente conversa com músicos, escritores, ilustradores – bem, com criadores em geral -, invariavelmente caímos no assunto da voz, do estilo próprio e único de cada um.
Essa parece ser uma grande preocupação de criativos. O fato de que não basta fazer arte, é necessário fazer arte autoral, que se destaca e se estabelece como uma assinatura, ou então como uma extensão do criador.
É aquela coisa, a gente quer que as pessoas olhem para a nossa obra e identifiquem de imediato que fomos nós a tirá-la do mundo das ideias e trazê-la para a existência.
A voz seria o último estágio do artista, o Nobel do vanguardista, o Nirvana do criativo.
Então começamos a correr atrás da nossa voz, desesperados para encontrar logo uma identidade que possa ser reconhecida e admirada. Nem que seja admirada por um grupinho bem pequenininho de pessoas… os nossos entusiastas, os únicos sensíveis o bastante para nos compreender.
E esse desespero é tanto que chega até mesmo a movimentar uma indústria de coachs, escritores e mentores que afirmam ser capazes de ajudar você a finalmente encontrar a sua verdadeira voz. Duvida? Entra lá na Amazon e pesquisa sobre o assunto pra você ver quantos livros vai encontrar!
O que acaba acontecendo normalmente é o oposto. Você se violenta tanto que sua voz fica rouca, falha, hesitante. Se você não se cuidar, ela pode até mesmo sumir, que os deuses nos livrem.
E aí tem uns caras como o David Bowie.
Gente tão original e inovadora que simplesmente explode a nossa mente a cada nova criação. Quando você acha que o cara não tem mais como impressionar, ele vem e te surpreende. E te surpreende até o fim.
Aí aquele seu lado fã, mas que também luta para encontrar a própria voz, diz:
Como ele fez isso? Como ele desenvolveu essa voz tão poderosa? Qual é o caminho?
E a resposta mais clichê, mas mais verdadeira do mundo aparece: ele simplesmente fazia as coisas com o coração.
David Bowie, desde o começo, amava a arte. A arte como ideia, como emoção e execução. Ele gostava tanto da coisa que calibrou o cérebro para enxergar tudo, a nossa existência toda, como uma programação artística. Eu até suspeito que ele era capaz de visualizar códigos secretos por todos os lados, tipo Neo em Matrix. E aí ele conseguia alterar a realidade e fazer a sua mágica.
Quando você gosta tanto de algo a ponto de transformar a sua vida nesse algo, é o que acontece. Você deixa de fazer arte. Você deixa de procurar uma voz. Deixa até mesmo de ter uma voz. Você se transforma nela.
Não sei se é apenas comoção pela morte de um artista fenomenal, mas uma reflexão fica martelando insistentemente na minha cabeça. A ideia de que pra achar a própria voz basta prestar atenção. Basta escutar, porque ela já está falando com você.
Ela pode estar nos lugares e interesses mais variados, como moda ou ficção científica, mas ela está lá.
E aí, quando você a escuta, quando você se abre pra ela, de repente você também se torna capaz de responder. E o mundo escuta a sua voz. Aquela outra voz.
E essa, cara, essa nunca para de ser ouvida.
Sempre vi uma galera dizendo que achava que o David Bowie nunca iria morrer, porque ele era de outro planeta. Acabou que essa galera estava certa. Tal como Lazarus, que venceu a morte e que, por ironia do destino também é o último clip do último álbum do gênio, David Bowie ressurgirá toda vez que a gente ouvir a sua voz.
E como não ouvir a sua voz, em todos os lugares?
Look up here, I’m in heaven.