Involução geracional?

Eu, professora de escola pública, não me sinto desafiada pelas novas tecnologias da informação e da comunicação (NTIC´s). Estas tecnologias podem sim competir com minhas aulas, que podem sim ficar defasadas em função da velocidade com que a informação circula. A questão é que se os alunos não enxergam a sala de aula como espaço de aprendizagem, não tenho com quem competir. Eu me sinto desafiada é pelo medo de que meus alunos, em função da sua inserção na “Era Digital”, não consigam desenvolver as habilidades cognitivas relacionadas à aprendizagem.

Já é sabido que a distância entre gerações se prolongou em função das transformações causadas na sociedade pela Revolução Tecnocientífica. Isto já não é novidade alguma. Perceber este fenômeno é fácil. Difícil é entender suas repercussões. Em que medida o comportamento das novas gerações, os nativos digitais, afetará as relações sociais hoje e amanhã? Em termos de desenvolvimento intelectual, o que os “plugados” podem acrescentar ao próprio desenvolvimento da espécie humana?

salaaulaalunos, tecnologia e aprendizagem

Com relação às relações sociais, mediadas por redes digitais, também é óbvia a constatação de que são estas relações superficiais. Mas superficialidade, em alguma medida, sempre esteve presente nas relações sociais públicas. A questão é mais emblemática que a superficialidade. O que espanta é o fato de que toda uma gama de vivências coletivas, como a participação política, se reduza ao plano de uma escolha privada (o sujeito escolhe gostar ou não de política, por exemplo, e sua participação se define em função desta escolha). E o que era do nível do privado se torna público. Nunca compartilhamos tanto com estranhos o que fazemos e sentimos.  Cientistas sociais já se debruçam sobre este fato ao tentar entender os efeitos que isto pode trazer para nossa sociabilidade. Rafael Pavan e Marina Beccari, em estudo sobre conceitos e novas formas de socialização, concluem que estas novas formas não são virtuais, apesar de ocorrerem no ciberespaço. Segundo eles “o ciberespaço aflora uma nova forma de sociabilidade, diferente da forma tradicional que se dava através da presença física, mas ressurge uma interação virtual onde há vontades, emoções e sentimentos, posto que do outro lado da rede existem pessoas reais”. Ou seja, nossa socialização é real, embora os signos que a rege sejam diferentes e mais complexos. O fato é que esta geração parece não conseguir mais se socializar por meios que não os digitais. Não sabemos, no entanto, se isto é ou não um problema. Somente a distância temporal nos ajudará a descobrir. Daqui a um século conseguiremos analisar melhor.

O que mais me preocupa é o desenvolvimento intelectual das gerações que criaram uma simbiose entre a conexão com a internet e suas experiências. Também já é sabido e estudado há algum tempo que o cérebro dos nativos digitais se difere em vários aspectos do cérebro dos chamados imigrantes digitais (aqueles que não nasceram inseridos na Era Digital). A memória operacional é um exemplo disto. Mobilizamos a memória operacional quando precisamos realizar uma tarefa contínua em que as informações precisam não só ser assimiladas como manipuladas. É esta memória que utilizamos para ler um parágrafo extenso, por exemplo, quando o conjunto da informação deve ser guardado até o final, quando o sentido geral vai ser extraído. A memória operacional é capaz de guardar um número limitado de informações e está relacionada com a atenção voluntária, que sustentamos até alcançar determinado objetivo. Em geral, as informações que serão aprendidas de forma consciente têm de passar pelo filtro da atenção e da memória operacional antes de serem armazenadas de modo mais permanente.

Em função da quantidade e velocidade de informações as quais o nativo digital se expõe, ele não é capaz de desenvolver sua memória operacional integralmente. Mas, também em função de todos estes estímulos, os jovens conseguem desenvolver uma atenção periférica muito mais eficiente, além de responder a estímulos visuais muito mais rapidamente. Ou seja, uma coisa compensa a outra. Será? Ao longo do processo evolutivo da espécie humana, as nossas habilidades não foram simplesmente substituídas umas pelas outras e sim se adequando às necessidades impostas pelos mecanismos de sobrevivência. Resta saber, portanto, se não necessitaremos mais utilizar nossa memória operacional para aprender algo novo. Afinal de contas, a própria criação de novas tecnologias da informação e da comunicação necessita de jovens dispostos a desenvolver raciocínios elaborados.

Tá, chegamos num ponto de inflexão. Se existem novas tecnologias sendo lançadas no “mercado” quase que diariamente, é porque existem estes jovens. Que alívio! Existem sim jovens que conseguem desenvolver sua memória operacional ao mesmo tempo que desenvolvem uma atenção periférica e outras habilidades tantas que requererem o mundo digital. Mas pouco deles estão, infelizmente, nas escolas públicas. Daí é que emerge uma questão ainda mais complexa: não é uma geração inteira que não está se desenvolvendo intelectualmente. É só parte de uma geração que não tem acesso à cidadania plena (os pobres), apesar de ter acesso à celulares, tabletes e fins. Nada de novo, então.

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