Agência tem que educar Cliente?

O Lusa, Luis Silvestre, sempre foi um dos mais inspiradores redatores da minha equipe na McCann-Erickson. Trabalhamos juntos em vários projetos, ele sempre com seu humor ácido, inquieto, provocador, um cara que pensava e tinha ideias conceituais antes de sair escrevendo ideias.

Lusa também vinha sendo roteirista de longas-metragens, que fizeram grande sucesso de público, crítica e prêmios. Abandou a propaganda e se dedica a isso.

O Lusa se lembrou de um Causo e me mandou.

https://www.youtube.com/watch?v=oYTiFBlz2fs

Aqui vão eles, a memória, o texto e o talento do Lusa:

 


 

“O Perci não levava desaforo pra casa. E, por causa disso, tinham uns clientes que não iam com a cara dele. A gente gostava mais ainda do Bigode por causa disso.

Mas havia clientes – a maioria – que faziam questão de ter o Perci o mais perto possível. Um deles era uma grande multinacional, conta global da agência. No passado, Perci chegou a aprovar off-line de comerciais sem os clientes verem, devidamente autorizado por eles.

Daí que esse grande cliente inventou, globalmente, um novo jeito de fazer as coisas, principalmente como conduzir o processo entre cliente-agência. Uma das decisões: o VP de marketing deveria estar sempre presente no briefing e na apresentação. Outra: trainees, estagiários e assistentes também deveriam acompanhar o processo todo.

Para implementar a ideia, alugaram um anfiteatro e puseram todos os marqueteiros, os trainees e estagiários lá dentro, para assistirem a palestras de vários profissionais, inclusive das agências e fornecedores, para absorverem o que tinha que ser feito no novo processo. Chamaram o Bigode para ser um dos palestrantes.

Bigode ia falando, com sua voz de trombone barítono. Na contramão de tudo que o cliente queria. Criticou a excessiva presença dos trainees, estagiários e profissionais juniores em reuniões. Sim, eles eram importantes e o Perci sempre deu força, valorizou a molecada, dentro e fora da agência.

Mas, na medida em que você os punha numa reunião de apresentação, coisa estratégica e grande, com direito à fala e voto, aí a inexperiência e o desgoverno dos mais jovens poderiam atrapalhar.

Ideias poderiam ir pro ralo por causa de um comentário inocente, ingenuamente inexperiente. A aprovação por parte deles não valia nada, mas alguma objeção levantada por eles poderia vetar uma grande ideia, fazê-la não seguir adiante.

Auditório lotado – e o Bigode ia defendendo sua tese contra a tese do cliente, quando um gerente de alguma área de marketing levantou o dedinho:

– Pois é, Perci, mas aí você tem que entender que, na nossa empresa, jovens profissionais são vistos como alunos. Alunos aprendem, fazendo.

E o Bigode:

– Muito justo. Mas então tem duas coisas: primeiro, eu quero uma parte da verba do RH, porque quem está treinando, capacitando e educando sou eu.

E segundo: quando eu estou dando aula e não gosto do comentário de um aluno, mando pra fora da classe. Posso mandar pra fora da classe?

A nova política do cliente foi colocada em prática, por determinação global. Tivemos que acatar.

Mas ninguém mais levantou a mão e os estagiários ficavam mudos nas reuniões com o Bigode”.


Texto publicado originalmente no Blog do Perci

 

Receba nossos posts GRÁTIS!
Deixe um comentário

This website uses cookies to improve your experience. We'll assume you're ok with this, but you can opt-out if you wish. Accept Read More