A lógica do predador

O instinto nos persegue, mordendo nossos calcanhares, movendo nossos pés na direção que não sabemos exatamente se é a correta.

Notícias ruins são as nossas preferidas.

Duvida?

Então, por que sempre que há duas notícias, uma boa e outra ruim, pedimos a ruim primeiro?

Quando descemos das árvores para começar a caçar e coletar, o grito “Olha o predador aí!!!” fazia muita diferença entre a vida e a morte. Ele precisava fazer muito mais sentido do que “Tem mais morangos ou presas carnudas do outro lado do rio!”. Se estiver morto não adianta de nada a “mesa” farta. A vida precisa continuar, como um bom show…

Nossos cérebros foram treinados durante o processo evolucionário para dar mais atenção às más notícias, como um simples recurso de sobrevivência. Bertolt Brecht, milênios mais tarde, diria: primeiro a boia, depois a ética. Sem comida, não há motivos para outro tipo de esperança. Uma vez de barrigas cheias, dá até tempo de filosofar. Arrumar brigas com o bando, a tribo ou o país vizinho; inclusive postar uma foto sobre isso. Gente faminta não tem tempo para o bom senso. Esquecemos daquilo que nos faz humanos. Sapiens. A ética é uma coisa que funciona se todos os envolvidos experimentam as mesmas sensações. Caso contrário, será apenas um texto que justifica a situação criada pela própria ética.

Estamos vivendo tempos sombrios. É o que diz a maioria das pessoas. Na verdade, estamos vivendo só mais um capítulo de uma história que vem se ajeitando, da melhor forma que pode, com o passar do tempo, aproveitando cada oportunidade para transformar o mundo ao nosso redor. No Brasil, por exemplo, estamos prestes a viver mais uma eleição. Os ânimos estão agitados, humores exaltados; como sempre. Quem não sente fome fala de ética, mas ainda há uma multidão faminta, que não compreende bem esse termo e, por questões “éticas”, possui um título de eleitor, e está pronta para usá-lo.

Pesquisas científicas já provaram que mesmo os primatas como os chimpanzés usam de simulacros para manipular a opinião de outros macacos. Por exemplo, um membro do bando pode usar o sinal que significa a presença de predadores para espantar os outros, a fim de ficar com toda a comida para si mesmo. Interessante como isso nos lembra as promessas de muitos candidatos, não só hoje, mas em toda a extensão da história política desse pequeno grande país. De tempos em tempos, a gente ouve de alguém, geralmente de terno e gravata, que o “inferno é o outro”. Que o outro candidato representa o perigo, o risco de trazer morte e destruição para a nossa tribo. Mas, como saber se é verdade ou não?

Should we stay or should we go?

O nosso próprio instinto mais íntimo, gravado em nossos DNA’s, há milhões de anos, nos inclina a escolher um lado, a fim de nos preservar; um instinto de sobrevivência. Pois, de barriga vazia não viveremos muito tempo, e com o predador por perto corremos o risco de nos tornar a sua comida. Prisioneiros desses dilemas, e sem condições de discernir bem sobre se corremos ou se ficamos, acabamos no meio de uma grande batalha por nossas mentes. As eleições são um palco onde o personagem principal é a nossa atenção.

“Olhem para mim, eu sou a solução”, dizem todos os candidatos. Mas, a maioria esconde suas garras e dentes afiados, para não assustar a ingênua presa que está de estômago vazio, desesperada, fragilizada e disposta a algum nível de risco para não matar seus filhotes de fome. O instinto nos persegue, mordendo nossos calcanhares, movendo nossos pés na direção que não sabemos exatamente se é a correta.

Notícias ruins chamam a atenção sim. Temos medo de sofrer, de morrer e levar a pior. E é esse temor que nos trouxe até aqui, goste você ou não. Se acreditássemos em tudo que nos contam, já teríamos sido extintos, sem misericórdia. Claro que erramos aqui e ali, mas no computo geral, parece que ainda estamos na vantagem. Ainda estamos aqui, lutando por nossa sobrevivência. Com medo sim, mas querendo mudanças, pois estamos de saco cheio de ouvir o mesmo e repetido e irritante grito “Olha o predador aí!!!”.

Vamos continuar com medo? Talvez, mas podemos aprender a identificar a voz que tenta nos enganar. Podemos começar a duvidar daquilo que ouvimos. Podemos proteger nossas crias e a nós mesmos, sem simplesmente correr de volta às árvores, ou dar ouvidos ao canto de uma sereia mentirosa. Diferente de nossos parentes caçadores-coletores, que moravam em árvores e temiam sons estranhos que vinham detrás de moitas tremulantes, podemos usar o Google para avaliar o que o dono do “grito” tem de autoridade para nos chamar a atenção.

E agora, José?

Como dizia um dos principais autores da declaração de independência americana, Thomas Jefferson, o terceiro presidente dos Estados Unidos: “Aquele que recebe uma ideia de mim recebe a instrução para si sem diminuir a minha, assim como aquele que acende sua vela na minha recebe a luz sem me deixar na escuridão”.

E aqueles que ainda nem sabem o que é um navegador de Internet, esses são nossos filhos por adoção, pois ainda estão desprotegidos, presas fáceis, de barriga e mente vazias, sem nem mesmo a mínima ideia do que significa ética. E mudar isso é a responsabilidade de todos que conseguem ler um texto como esse. Ainda completo, com o poeta mineiro CDA, “A festa acabou, a luz apagou, / o povo sumiu, / a noite esfriou, / e agora, José? / e agora, você? / você que é sem nome, / que zomba dos outros, / você que faz versos, / que ama, protesta? / e agora, José?”. E agora, predador?

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