Um pouco mais de educação contagiante

Como uma história de um professor, com seus dois filhos, se transformou em um ponto de luz no meio da pandemia.

Sabemos, faz um tempo, que os sistemas educacionais precisam de uma virada 360 se quisermos seguir nos passos de nossa evolução. No próprio UOD você já conferiu diversas pautas sobre os assuntos e destaco os seguintes:

A pandemia então chega e destaca isto de modo abrupto e grosseiro, colocando a prova o sistema e modelo de educação ao redor do planeta, se por um lado algumas pessoas sofrem em fazer esse exercício em casa, uma parcela diferente viu como oportunidade para expandir e realmente aprender o que tanto dificultava para aprender sentado na sua carteira.

Tentamos, não raro, ajudar aqueles pequenos que precisam de um apoio extra para entender o que acontece lá fora. Foi em Abril deste ano que apareceu em minha timeline de Facebook o texto do Professor André Luís Corrêa, da rede municipal do Rio de Janeiro, também casado com uma professora, que contam com dois pequenos em casa, compartilhando um momento de ensino que teve com seus filhos, e exemplificou bem o tanto que compartilhamos por aqui. 

https://www.facebook.com/prof.andreluiscorrea/posts/277607339907476

O texto gerou dezenas de bate-papos interessantes – como essa entrevista ao vivo no canal do Projeto Trilhas da Fundação Telefônica Vivo, Instituto Natura e Instituto Península, além de uma iniciativa fundada com o nome de Educação Contagiante, que instiga uma rede cada dia maior em números que querem ver mais exemplos como as do professor, querem aprender e repassar uma nova maneira de expandirmos a mente dos pequenos de modo agradável, justo, criativo e paciência.

Para minha alegria, e espero que você goste, o professor autorizou a publicação do texto por aqui, e publico logo abaixo para vocês.


A escola do meu filho falou: ele terá aulas virtuais todos os dias durante o período de isolamento.

Eu e minha esposa somos professores, estamos muito cansados, principalmente porque minha esposa está dando aulas virtuais para grupos de 15 a 20 crianças conectadas por microfone e webcam. Enquanto ela passa a tarde pedindo que os alunos desliguem seus microfones, pedindo silêncio para falar, pedindo para os alunos terem paciência para ela repetir o conceito que está ensinando, eu fico do lado de fora com nossos dois filhos pensando que está tudo errado.

Eu não aguentei isso tudo e decidimos fazer um trabalho diferenciado com nossos filhos. Comecei a trabalhar com Projeto de Pesquisa, coisa que aprendi com meu amigo José Pacheco.

– Mas, André, seus filhos tem 5 e 7 anos! Sua filha nem sabe ler e escrever!

Abri uma conta de email para meu filho e para minha filha. Criamos contas familiares com controle parental usando o Google Family Link. Criamos uma sala de aula no Google Classroom (ótima ferramenta para o estudante criar uma portifólio de pesquisa) e nos inserimos como professores e nossos filhos como alunos.

Criei uma primeira atividade chamada PROJETO DE PESQUISA #1. Montei uma ficha de preenchimento.

Dia 22 de abril
Meu filho entrou no google classroom e começou a preencher a ficha…

O que você quer aprender?
R: Como o Thor ganhou o martelo

[Minha esposa olhou para mim desconfiada.
– André, e aí? Isso vai ser útil de que forma? Super-herói da Marvel!!!!
– Calma… Ele precisa partir de algo que desperte o interesse e a curiosidade dele! Não é o que eu quero ensinar. É o que ele quer aprender agora! Ele vai aprender a aprender. Eu não vou ensinar nada.
Meu filho seguiu preenchendo a ficha (eu estava ao lado dele acompanhando o processo)…]

Por que você quer aprender isso?
R: É que eu sempre quis saber

[Fantástico como a criança é simples, direta, e prática.]

O que você vai fazer com esse conhecimento depois?
R: Nada eu só quero aprender mesmo

[Como este primeiro momento é para ele ter contato com o processo, não fiz nenhuma intervenção neste ponto. Ele quer matar a curiosidade. Ok! Ser curioso é muito bom! Minha esposa me olhava desconfiada e eu não tinha a menor idéia de onde isso acabaria, mas como o José Pacheco diz, o papel do professor é gerir a imprevisibilidade.]

Que pessoas podem te ajudar a aprender sobre isso?
Meu tio-avô.

Por que ela pode te ajudar?
ele sabe muito sobre heróis

[Em seguida ele preencheu um cronograma informando o dia da semana, a hora e a atividade que ele faria. Eram duas atividades: ligar para o tio-avô e assistir ao filme Thor.

Ele enviou uma mensagem via whatsapp para o tio-avô perguntando como o Thor ganhou o martelo. Minutos depois recebeu uma resposta dizendo que o pai do Thor, Odin, deu a ele o martelo Mjolnir. Meu filho foi até a ficha de projeto e preencheu lá onde dizia “Anote aqui tudo o que você aprendeu com essa pesquisa.”

Mais tarde, fomos assistir ao filme juntos. Para surpresa dele, Thor já aparece com o martelo Mjolnir nas mãos desde a primeira cena. Meu filho percebeu que não conseguiria a resposta que queria. Assistimos ao filme até o final e conforme o filme passava, eu fazia algumas perguntas para ele e ele fazia algumas perguntas para mim. Nós parávamos o filme, ele sentava na frente do computador e anotava a pergunta no espaço “O que você precisa pesquisar ainda?”

Após o filme, as seguintes perguntas estavam lá:]

  • Como o Mjolnir foi feito?
  • De qual língua vem o nome Mjolnir?
  • Qual herói tem relação com radiação gama?
  • Quem criou o herói Thor?
  • Quem eram os vikings?
  • Que ferramenta a S.H.I.E.L.D. usa para analisar o Mjolnir?
  • Quais são os Nove Reinos?

[Meu filho foi dormir e eu fui trabalhar como tutor dele. Abri o Google Classroom, peguei o trabalho dele e fui indicando alguns sites para ele encontrar as respostas que buscava. Meu filho não sabe usar o google e não entende ainda como funciona a pesquisa online, por isso eu ainda preciso dar essa ajuda.]

Dia 23 de Abril
Meu filho abriu o Google Classroom e eu mostrei a ele o que eu tinha escrito no trabalho dele. Lá foi ele atrás do primeiro site. Abriu e começou a ler. Eu estava na cozinha e vi que ele estava lendo o texto inteiro, mas as informações sobre o Mjolnir estavam no primeiro e segundo parágrafo. Falei para ele:

– Filho, não precisa ler todo o texto. Você pode ler a parte que te interessa para responder sobre sua pergunta.
– Mas eu quero ler tudo, pai! Está interessante!

Após a leitura, perguntei:

– E aí, filho, o que você aprendeu com esse texto?
– Aprendi que o Odin lutou contra o Deus Tempestade e prendeu ele em um metal chamado Uru. Depois ele pegou esse Uru, entregou para o anões e pediu para eles fazerem um martelo. Esse martelo se chama Mjonir. Por isso que o Thor tem poder de trovão, porque o Mjolnir tem um deus das tormentas dentro dele.
– Ok, filho, agora você pode anotar isso ali na sua ficha.

Lá foi ele escrever. Depois que terminou, ele me perguntou:

– Pai, quantos Mjolnir existem?
– Por que você está me perguntando isso?
– Por que eu vi naquele texto uma imagem que mostrava vários heróis usando Mjolnir.
– Por que você não anota essa pergunta na sua ficha para pesquisar depois?
– Boa idéia!

Em seguida ele foi para o segundo site, em busca da origem da palavra Mjolnir. Na wikipédia ele descobriu que Mjolnir se escreve de várias formas diferentes e que o nome significa AQUELE QUE ESMAGA. Também descobriu que o Mjolnir tem relação com a mitologia escandinava.

– Filho o que é mitologia?
– São as lendas, as histórias.
– O que é Escandinávia?
– Não sei.
– Por que você não clica ali onde está escrito “mitologia escandinava” e vê o que vai dar?

Ele clicou e descobriu que a Escandinávia não é um país, mas uma região formada por 3 países: Noruega, Suécia e Dinamarca.

– Mas onde fica isso? – perguntei
– Não sei.
– Vamos olhar o mapa na parede do seu quarto?
– Vamos!

Ele se colocou na frente do mapa e procurou os 3 países. Eu mostrei a ele onde ficava a Europa. Ele os encontrou e ficou contente.

– Mas qual é a língua que eles falam nesses países? – ele perguntou
– Escreve aí no google: idioma dinamarca.
– Dinamarquês! Então o outro deve ser norueguês e suecês, sueci… Suec…
– Digita aí: idioma suécia.
– Sueco!
– Então, filho, o que você aprendeu?
– Mjolnir é uma palavra que pode ser escrita de várias formas. Ele tem a ver com a Escandinávia. Cada país escreve de um jeito: um sueco, um norueguês e um din… din… dinamarquês. Ah, descobri que Mjolnir significa AQUELE QUE ESMAGA.
-Ótimo, filho. Anota lá na sua ficha de pesquisa.

Paramos neste ponto. Incrível ver a criança aprendendo no ritmo dela, na profundidade que ela quer, segundo a curiosidade dela. Assim deveriam ser as escolas. De uma pergunta simples sobre um super-herói ele foi parar na origem de palavras de outro idioma, no entendimento de mitologia, a geografia, história e nem sei onde ele vai parar. Quando ele se der por satisfeito com essa pesquisa, irá parar e faremos uma avaliação de tudo o que ele aprendeu. Depois começaremos uma nova pesquisa.

Não me esqueci da minha filha, não. Ela também está vivenciando a mesma coisa, mas do jeito e ritmo dela. Como ela não sabe escrever, eu fui perguntando a ela o que estava na ficha de pesquisa e ela foi respondendo.

O que você quer aprender?
R: Quero aprender a escrever.

Por que você quer aprender isso?
R: Eu acho legal. Quando uma pessoa pedir para eu escrever, eu posso.

O que você vai fazer com esse conhecimento depois?
R: Quero escrever uma mensagem de amor para o meu amigo P.C.

Nada como ter um objetivo concreto para motivar o aprendizado!

Entrei em contato com um especialista em alfabetização, José Pacheco, e ele me deu uma dica para começar a brincar com minha filha. Perguntei a ela em quais objetos da casa ela queria colocar o nome. Fomos escrevendo cada palavra em papel pequeno e ela foi colando pela casa. No dia seguinte, tirei 3 papéis e pedi para ela colocar de volta. Ela olhou para o primeiro papel, olhou para mim e disse:

– Não sei ler, papai.
– Mas você tem o alfabeto colado ali na parede da sala. Vamos lá olhar?
– SIM!!!

Ela identificou a primeira letra, e colocou o dedinho sobre ela. Eu comecei a cantar A, B, C, D, E, F, G…

Quando paramos na letra, ela fez o som da letra. Depois olhou a segunda letra, juntou as duas, correu e colou o papel no lugar certo. Assim ela já acertou 6 palavras.

Educação é algo lindo demais! Infelizmente ainda existem pessoas que acham que o professor não é importante na educação. Pelo contrário! O professor como orientador ou tutor do aluno é importantíssimo, como ficou claro neste relato, mas não é dando aula. O professor precisa instigar a curiosidade! Precisa fomentar o desejo de aprender.

Contudo, as escolas insistem em deixar os professores sozinhos em sala, com mais de 20 alunos, sem livros ou internet. Como mostrar aos alunos do século XXI como se aprende no modo século XXI? O que resta aos professores é dar aula e mais aula…

O resultado está aí. Os adultos batendo cabeça porque não sabem usar tecnologia, os professores achando que precisam CRIAR CONTEÚDO como se fossem youtubers, gastando tempo e energia, pouca eficiência e baixa autonomia dos alunos.

Tomara que esse vírus imploda a educação do século XIX que ainda existe.

Post original


O que achou? Se quiser ler mais do professor, tem uma cópia gratuita do primeiro livro dele, aqui.

E você, como instigaria a mente dos pequenos em casa, no meio de algumas mudanças do mundo lá fora?

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