A democrática Comic-Con do Zoom

Por causa da pandemia, a San Diego Comic-Con teve que migrar para a internet – e, entre erros e acertos, facilitou o acesso de todo o mundo ao evento

Por causa da pandemia, a San Diego Comic-Con teve que migrar para a internet – e, entre erros e acertos, facilitou o acesso de todo o mundo ao evento

Fundada em 1970, a San Diego Comic-Con se consolidou como o maior evento de cultura pop do mundo. Afinal, é lá que a indústria e os fãs de HQs, séries, filmes e games se reúnem por apenas quatro dias (e cinco noites) para celebrar tudo aquilo que mais gostam. Porém, aos 50 anos, o evento tomou o seu maior baque, o mesmo que todos nós: a pandemia. Convenção cancelada em 2020, mas a organização encontrou um meio para continuar: fazer uma versão virtual, chamada Comic-Con@Home – que acaba hoje, 26.

Quando a iniciativa foi anunciada lá atrás, na posição de quem acompanha o evento há 15 anos (e que cobriu cinco edições presencialmente), a pergunta que me fiz foi: será que iria funcionar?

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Robert Downey Jr, Don Cheadle e Shane Black na SDCC de 2012 (Foto: Renan Martins Frade)

Hoje, passado todo o evento, dá para dizer que funcionou, sim. Não por conseguir reproduzir a sensação da Comic-Con real apenas com a internet. Isso realmente não aconteceu. Por outro lado, a San Diego Comic Convention, que organiza o evento, mostrou que é possível fazer algo em grande escala, totalmente aberto e, principalmente, gratuito – ainda que com uma cara de “reunião da firma feita no Zoom”.

Pouca participação dos grandes estúdios

Nem tudo são flores, claro. Ao olhar a programação, uma coisa já ficou clara logo de cara: os grandes estúdios pouco se envolveram com a Comic-Con deste ano, em comparação com tempos mais recentes.

Não que seja, em maior parte, culpa da organização. A pandemia congelou tudo o que estava em produção ou pronto para ser lançado. Muito do que foi mostrado de cinema na SDCC de 2019, por exemplo, ainda nem estreou. É o caso dos longas e séries da Marvel Studios, por exemplo.

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Kevin Feige no painel da Marvel Studios na SDCC de 2019 (Foto: Renan Martins Frade)

Além disso, era muito comum que fossem filmadas cenas poucos dias antes do evento para a exibição exclusiva em San Diego. Foi assim, só para citar um exemplo, com o primeiro ‘Guardiões da Galáxia’ – em uma sequência tão icônica (aquela quando os protagonistas são apresentados na prisão) que acabou adicionada ao filme finalizado. Em 2020 ficou impossível fazer isso.

Mesmo quem esteve presente, como as séries do universo de ‘Star Trek’ da CBS, pouco tiveram o que mostrar ou contar.

Passa, obviamente, pela própria falta de experiência da SDCC em eventos online. Nunca tinham feito isso antes, sem falar que uma reclamação que se ouvia dos estúdios era justamente que os organizadores não liberavam a exibição dos painéis na internet. Por isso, provavelmente, que a Warner Bros. preferiu organizar a própria JusticeCon do que fazer parte da Comic-Con tradicional.

Programação diversa

Tirando a participação dos gigantes do entretenimento, a San Diego Comic Convention fez a mesma ótima curadoria de sempre. Afinal, reuniu inúmeros painéis com diversos temas.

Não são, claro, painéis que vão render grandes manchetes para a imprensa, cliques e pageviews. Ainda assim, ajudam a fomentar e dar espaço para assuntos relevantes dentro da indústria – com assuntos como a representação LGBT no terror, diretores de terror latino-americanos, a presença feminina em filmes de ação, o financiamento de produções independentes e como entrar para a indústria.

Isso sem falar, claro, de colocar pessoas que tem seus nomes conhecidos, mas seus rostos pouco mostrados, cara a cara com os fãs.

Afinal, em sua essência, a Comic-Con é isso.

Pré-gravado

É preciso pontuar que a San Diego Comic Convention é uma organização sem fins lucrativos. Não possuem grandes experiências com eventos online e as coisas são feitas mais com paixão do que, necessariamente, grandes verbas ou muito conhecimento.

Eles claramente escolheram o caminho mais fácil e garantido para fazer a Comic-Con@Home acontecer. Primeiro escolheram o YouTube como a base do evento, inclusive sem qualquer cobrança ou barreira. Todo conteúdo foi aberto e grátis.

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Painel dos 15 anos de ‘Constantine’ na Comic-Con@Home de 2020 (Foto: reprodução / San Diego Comic Convention)

Além disso, não se aventuraram na árdua tarefa de fazer painéis ao vivo. O esforço de realizar tantas lives, com tanta gente, seria hercúlia. Por isso, todos os painéis foram pré-gravados, os vídeos enviados ao YouTube com antecedência e, na prática, quando chegava o horário na programação o vídeo era simplesmente liberado para ser assistido na íntegra.

Para quem acompanhava o evento, isso pouco mudou a forma de consumir os painéis. Muitos assistiram aos vídeos assim que foram liberados, e, ao mesmo tempo, foram comentando no Twitter – como se fosse tudo ao vivo.

Ainda assim, o formato tirou um dos pontos mais importantes de uma Comic-Con – que é a interação. Sem comentários ao vivo, sem respostas dos participantes dos painéis… No máximo, perguntas enviadas previamente. Uma pena.

Sem filas

Se teve algo que todo mundo agradeceu por não existir na versão digital foram as filas. Afinal, em uma Comic-Con, todas as salas e espaços possuem capacidade limitada – e todo mundo precisa passar por uma fila para entrar neles.

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Tom Cruise no Hall H da SDCC: fãs chegam a dormir fila para acompanhar os painéis no local (Foto: Renan Martins Frade)

Nem o limite de capacidade existiu, vale dizer. Se antes os painéis aconteciam para salas lotadas, mas com poucas centenas (ou menos) de presentes, agora todos puderam assistir a o que quisessem.

Tivemos painéis com 300, 500, 700 e mil views. Pode parecer pouco para o mundo do YouTube, mas, para um evento que até o ano passado tinha apresentações com portas fechadas, são números representativos.

Vídeos bloqueados

Um dos problemas mais graves que aconteceu durante a Comic-Con@Home foi a dos vídeos que, eventualmente, acabaram bloqueados – ainda que momentaneamente.

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Vídeo do painel de ‘Star Trek’ chegou a ser bloqueado pela própria CBS, dona das séries (Foto: reprodução / YouTube)

Acontece que, no YouTube, existe uma ferramenta chamada Content ID, que permite aos donos de conteúdo o bloqueio de vídeos que utilizem, sem autorização, esse conteúdo. Por falta de comunicação, em alguns casos, essas empresas esqueceram de liberar os vídeos que elas mesmas tinham enviado para o canal da SDCC.

Parte do aprendizado de quem nunca fez um evento online.

Falta de contato

Além dos painéis, os organizadores tentaram, de alguma forma, mimetizar no ambiente online os principais pontos de uma Comic-Con real.

Entre eles, organizaram uma versão digital, via Tumblr, do tradicional concurso de cosplays, criaram jogos e até Watch Parties para o público assistir a filmes em conjunto, de casa.

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Exhibit Hall da Comic-Con aglomerações ficaram no passado (Foto: Flickr / Kevin Dooley)

Em alguns casos a estratégia não funcionou muito bem. O maior deles foi com o Exhibit Hall virtual. O espaço é onde ficam os estandes e lojas dos participantes da SDCC, com muita interação do público. Na versão para a Comic-Con@Home, tivemos um mapa 2D de como teria sido o espaço real – com a opção de clicar em cada estande, onde era possível encontrar mais informações sobre a empresa e ver se havia algum produto à venda. E só. Foi pouco.

Se fica uma lição disso tudo, é a democratização do acesso. Uma hora tudo isso vai passar, virá a vacina e, ainda que com diferenças, as coisas devem voltar a uma certa normalidade. A San Diego Comic-Con também voltará, mas que, ao menos, não se esqueça de sua versão “em casa”. Um modelo híbrido de evento, no mundo pós pandemia, seria perfeito.

Enquanto isso, vamos torcendo para esse pesadelo logo acabar.

Publicado primeiro no Filmmelier.

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