Curiosidade pra quê?

Na falta de respostas as perguntas se tornam raras

Sobre a curiosidade na infância

Fiquei assustado quando li isso, recentemente: a curiosidade de uma criança dependerá de como seus pais ou responsáveis reagem aos seus balbucios e indecifráveis sons. Curiosidade é construída com a atenção que oferecemos aos nossos filhos.

E não para: quando uma mãe diz ao filho para não comer terra, ele imediatamente se pergunta o que acontecerá se o fizer e como sua mãe reagirá. A criança que empurra a torre de brinquedos cuidadosamente construída de sua irmã mais velha está fazendo isso não apenas para ver a estrutura desmoronar, mas para ver a reação da sua irmã.

Olha essa aqui: se um bebê olha para uma maçã e diz ‘Da da da!’ e o adulto não diz nada, o bebê não só não consegue aprender o nome daquele objeto redondo esverdeado, como também começa a pensar que todo esse negócio de balbucio pode ser um desperdício de tempo.

No livro Curious: The Desire to Know and Why Your Future Depends on It, Ian Leslie me encantou com essa perspectiva científica, que mostrei nos textos acima.

Cada pergunta é uma pequena aposta, diz Leslie. “Desde muito cedo, as crianças sentem que qualquer informação que possam reunir, mesmo que não tenha uma aplicação imediata, pode ser útil no futuro”, afirma Ian.

É impressionante como nascemos configurados para escanear, mapear e gravar tudo ao nosso redor. Sons, cores, texturas, movimentos, sabores, etc. E fazemos isso com imensa dedicação, como se nossas vidas dependessem da quantidade e qualidade das informações que conseguirmos coletar. E, na verdade, é exatamente isso.

Como um minicomputador orgânico, a criança explora o mundo ao seu redor a fim de construir a melhor versão de si mesma, ou seja, ela busca desenhar dentro de si um “eu” capaz de lidar com todos os desafios preexistentes nesse espaço onde acabou de chegar.

Tudo é estranho e interessante.

Se haverá quem possa guiar seus passos nesse admirável mundo só o futuro dirá.

Liberdade que educa ou educação que liberta

Dia desses li em um livro do Ken Robinson que a “Educação deveria permitir aos jovens se engajar com o mundo que possem dentro de si, tanto quanto o fazem com o mundo externo”. Fiquei chocado com essa ideia. Afinal, ironicamente, vivemos mais tempo do lado de fora de nós mesmos, ainda que morando do lado de dentro. Prestamos muito mais atenção naquilo que nos rodeia do que em nós mesmos.

A nossa versão infantil, que fez tantas perguntas, será que ela teve boas respostas? Será que nossos balbucios foram motivo de risadas ou quem os presenciou foi capaz de nos dar respostas minimamente razoáveis?

Eu e você, inevitavelmente, nascemos com aquele foguinho nos olhos. Nossos sentidos estavam a mil entre o berço e os 4 anos de idade. Aquela fase em que, mais que comer e sujar fraldas, estávamos freneticamente em busca de respostas, testando tudo e todos pelo caminho. Se houvesse um banco de dados com imagens da época, talvez muitas famílias sofreriam um racha, só porque uma criança ficou sem receber a atenção que, agora como adulta, acredita ter o direito de ter recebido. Enfim, ideias loucas a parte. A ciência está aí para provar que a sanidade e a criatividade de todo adulto depende de como suas “pesquisas” na infância foram interpretadas.

Eu ouvi muito “cala a boca”, “não aponte o dedo”, “isso não se fala”, e todo tipo de “nãos” e outros sinais que significavam “isso é proibido pra você”. Minha infância não é diferente da maioria das pessoas. Sei que isso me afetou profundamente, mas sei também que a maioria dos pais, mesmo errando, querem o melhor para suas crias. Mas, isso não impede que a nossa curiosidade, que alimenta e fornece o combustível mais poderoso para a nossa criatividade, seja comprometida de muitas formas.

A criança que recebe um nível razoável de liberdade para explorar o mundo tem mais chances de se construir mais completa como ser humano. Se você cresce sem medo de fazer perguntas recebe da vida muito mais respostas, mesmo que isso nos machuque. Afinal, a dor, de muitas formas e numa medida razoável, define nosso caráter. Um adulto curioso deve ter tido uma infância minimamente saudável, no que diz respeito às oportunidades que teve de se expressar e receber de pessoas próximas feedback adequado.

Recebi castigos físicos por causa da minha exagerada curiosidade. Acredito que não adiantou muito. Ainda sou um curioso mórbido. Lamento que meus pais tenham tido pouca capacidade de lidar com tamanha inquisição e hiperatividade. Eles tinham um repertório limitado e também foram castigados de formas ainda mais cruéis. A lição que fica talvez seja a de provar para mim mesmo, para eles e para o mundo, de alguma forma, que ser curioso, sem exageros absurdos, pode ser algo poderoso e transformador.

O curioso não apenas duvida, mas se deslumbra com aquilo que é novo e, por isso, parte na direção do desconhecido. O medo do que não conhecemos é chamado de misoneísmo. Ele não aparece do nada durante a fase adulta, mas é plantado no coração de uma frágil mas corajosa criança que, aos poucos, perde a coragem de fazer tantas perguntas e se coloca à margem da realidade, à espera de respostas prontas, construindo um pensamento pasteurizado, sem perceber que a grande chance de mudar o mundo pode estar sendo enterrada bem ali, quando o mundo ainda parecia tão colorido e interessante.

Sobre a Internet

O presente nos oferece oportunidade incrível de dar asas à nossa imaginação e pesquisar qualquer tipo de assunto. A Internet está aí, praticamente de graça e acessível a um público imenso. E, mesmo assim, continuamos com níveis alarmantes de analfabetismo funcional, com muita gente preferindo copiar ideias de fontes já conhecidas ou assistir a vídeos de gatinhos fofinhos (que são irresistíveis, é claro).

Será que a facilidade, a comodidade e a conveniência nos imbecilizaram?

É fácil culpar a Internet por nos tornar estúpidos. Mas a única pessoa ou coisa que pode torná-lo estúpido ou desinteressado, é você mesmo. Aqueles que são tentados a usar a web como forma de evitar o esforço intelectual podem esquecer como ser curiosos. Aqueles que a usam como trampolim para explorações intelectuais reais, provavelmente alcançarão mais na escola, na universidade, no trabalho e na vida, colhendo recompensas cada vez maiores.

Como bem disse o Ian Leslie, “o futuro pertence àqueles que escolhem a curiosidade”.

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