Para Cuba com amor – e saudade

Cuba é uma ilha de sonhos pequenos, grandes orgulhos e uma complexidade imensurável. A história caleidoscópica da terra do Mojito causa verdadeira vertigem nos visitantes – e eu não fui exceção.

Cheguei a Havana sozinha, sem grandes pesquisas ou expectativas. Me instalei numa casa alugada, ou casa de renta, seguindo a dica de uma amiga que investiu três meses explorando o país tempos atrás.

O apartamento pertencia a uma cubana que mora há anos na Itália (acho que em Milão), e era administrado pela irmã e o cunhado, meus vizinhos ali.

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A vista da janela

Com um quarto generoso, o apartamento era bastante confortável para os padrões cubanos, e ficava a poucos metros da Plaza Vieja – região novamente indicada pela amiga.

A parte mais turística da cidade era também meio caótica. Lembro que a primeira vez que olhei pela pequena varanda pensei estar diante de um cenário pós-guerra, com ruas mal cuidadas, casas em condições precárias, lixos expostos, calçadas estreitas e esburacadas… um verdadeiro caos.

Depois, dobrei a esquina e vi uma outra cidade; uma que me parecia com um vilarejo espanhol – daqueles bem bonitinhos mesmo.

O paradoxo só não foi maior que o choque, que, por sua vez, não fui muito grande porque a expectativa era nula. Apesar de manter as esperanças nas rédeas, entendo rapidamente que é impossível viver Cuba intacto, mesmo que se vá “preparado”.

Estava lá de férias, mas o jornalismo não descansa nunca, então comecei a produzir algumas entrevistas. Informalmente, conversava com todo ser humano interessado e interessante que cruzava meu caminho.

Entrevistei uma das jornalistas mais antigas ainda em atividade no país, que me contou das dificuldades em manter a imprensa viva quando não havia papel. Ela exaltou Fidel por colocar as mulheres nas escolas e por estar sempre por perto do povo cubano.

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Momento fofura na porta do museu. Os cubanos adoram cachorros.

Depois conversei com uma jornalista americana que há 10 anos vive em Havana. Ela mantém um café descoladíssimo e gay friendly, o Cuba Libro. Sentadas em um vaso sanitário cimentado para fazer as vezes de banco, ela relata que teve dificuldades em fazer amigos por ali, porque muitas das pessoas que se aproximavam dela o faziam por interesse – “os cubanos olham para alguns estrangeiros e vêm cifras”, disse. Concordei com a cabeça por ter sentido na pele coisas parecidas, até porque me cobraram bastante caro por serviços “banais”, que eu sabia não valer o preço solicitado. Fiquei com a sensação de que o turista paga a conta da pobreza local.

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No café Cuba Libro, privadas viram bancos. Bem cool, né?

Num outro espectro, tão importante quanto os mencionados anteriormente, preciso destacar que me senti extremamente segura 100% do tempo – e olha que eu caminhei quase a cidade toda em plena madrugada, absolutamente sozinha, com uma mochila nas costas e uma câmera pendurada no pescoço.

Também fiquei surpresa com o nível de escolaridade do povo cubano, e me espantei ao saber que privar os filhos de estudar é um crime gravíssimo por ali. As escolas e universidades gratuitas são de boa qualidade, mas é uma pena que o mercado de trabalho local não consiga absorver essa mão de obra qualificada. O rapaz que “pilotava” a minha bici-táxi, por exemplo, era engenheiro. Sua mulher, uma bióloga, trabalhava como babá.

Vi muitos jovens “xingando muito no twitter” diretamente das pracinhas que tinham wifi. A internet na ilha ainda é bastante limitada e cara, mas sua presença já começa a mudar a sociedade, mesmo que lentamente.

Como todo mundo se reúne nessas bolhas de wifi, é curioso ver que, enquanto você responde aos amigos no whatsapp, locais falam emocionados com parentes que vivem para além das fronteiras – e são esses imigrantes que enviam boa parte do sustento das famílias locais.

Ouvi muita gente querendo ir embora, e outras tantas sendo categóricas de que não iriam a lugar algum; que ali é o paraíso na terra.

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Uma rua da “minha” vizinhança.

Algumas pessoas (bem poucas, é verdade) me pediram dinheiro na rua, mas o único rapaz que parecia MESMO precisar de grana recusou a minha ajuda: disse que tinha comida suficiente e que meu dinheiro não era, então, necessário.

Cheguei a Cuba com muitas perguntas, e saí com outras mais. Visitei os bairros mais pobres e os mais ricos, conversei com todas as realidades: Cuba não se decifra, porque Cuba te devora – e deixa ainda um gosto de quero mais.

Se eu falho miseravelmente em tentar explicar o que e como é Cuba, acho que o documentário “Somos Cuba”, disponível na plataforma de streaming do GNT, talvez cumpra melhor este papel. Dirigido por Annett Ilijew, a obra foi gravada livremente por Andrés, um cubano sem nenhuma experiência no mercado audiovisual, que por sete anos registrou seu cotidiano. O resultado é uma Cuba sem efeitos especiais, mas com muito efeito, e muito especial.

somos cuba

 

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