Eu acho que…

Em um artigo publicado em 2014, Microaggression and Moral Cultures, os acadêmicos Bradley Campbell e Jason Manning identificaram uma mudança na postura de algumas universidades, que ao invés de “celebrarem” a liberdade de expressão passaram a defender uma espécie de “cultura da vitimização”, pressupondo que as pessoas são inerentemente frágeis e, portanto, deve-se evitar falar algo que possa ofendê-las. Essa postura foi fortalecida pelo que ficou conhecido como “politicamente correto” e trouxe algumas consequências, como a sequência de palestrantes que foram “desconvidados” a darem palestras em algumas universidades por conta de posições políticas, o que levou algumas delas a serem “acusadas” de fomentarem a censura.

Esta postura também gerou como “efeito colateral”, a popularização da frase “eu acho que”, muito comum aos ouvidos “mais atentos”. Assim como frases similares em outras línguas, como a inglesa “I feel like”, “eu acho que” traz um paradoxo embutido. Ao “mascarar” uma afirmação como uma “humilde opinião”, ela atua como “coringa” bloqueando argumentações contrárias, porque traz implícito que o emissor não tem tanta experiência (pois apenas “acha”) ao mesmo tempo que reforça opiniões semelhantes. Atua como um “escudo” imediato de quem a usa.

Em tempos de polarização, é entendível que as pessoas queiram se resguardar, mas uma das grandes conquistas da era contemporânea (pós revolução francesa), foi a habilidade de argumentar sem resultar (na maioria das vezes) em violência física. É a premissa do “conflito civilizado”, embutido na democracia moderna. Ao mascarar o conflito, “eu acho que” reprime debates e “alimenta” todo tipo de “achismo”, desde como organizar uma educação pública de qualidade até quem apoiar como candidato à presidência. Atua como uma espécie de coerção da esfera pública e privada.  A verdade é que “achismo” não gera proposta.

Em seu artigo publicado em 1946, “Politics and the English Language”, o escritor George Orwell escreveu a famosa frase “se o pensamento corrompe a linguagem, a linguagem também corrompe o pensamento”. No texto, Orwell se preocupa com o efeito da linguagem em nossa habilidade de pensar. Não se trata somente em ter todos os pontos claramente definidos, mas sim em ter, “para início de conversa”, um ponto que valha a pena ser proposto. Isto demanda formular ideias equipadas com o melhor “arsenal” possível em termos de ordem, alcance e precisão. Ao usar “eu acho que”, todo este arsenal é “jogado fora”.

Orwell propunha que as pessoas, além de explicarem claramente o que queriam dizer, tivessem algo válido a ser compartilhado. Ele deixou duas dicas imbatíveis neste quesito:

1) tenha algo significativo para dizer – antes de dizer;

2) quanto mais clara for sua linguagem, melhor será o seu pensamento.

Usar “eu acho que”, diminui a substância do que uma pessoa quer falar. Ao imbuir o pensamento de subjetivismo, e tornar o subjetivismo um fim em si mesmo, menos expressivo o próprio pensamento se torna. Se alguém quiser realmente criar uma “estrutura” de pensamento crítico e criativo para si mesmo e desenvolver a habilidade de propor soluções aos problemas que aparecem no seu cotidiano, deve cultivar a arte da conversação. O primeiro passo é abandonar “vícios” verbais que possam influenciar maus hábitos.

Uma sugestão: na próxima vez em que participar de uma reunião de trabalho, discussão em sala de aula ou jantar em família, substitua “eu acho que” por “eu penso que” ou “eu acredito que” e veja a reação dos demais às suas ideias. Como adultos que sabem o que querem, não devemos “achar”. Devemos argumentar racionalmente, sentir profundamente e assumir a completa responsabilidade da nossa interação com o restante do mundo.

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