Sorrisos de plástico e paraísos artificiais

Sua atenção não é a coisa mais valiosa do mundo, suas emoções sim.

Colocamos potência total nos sentidos quando algo emociona a gente; mas resta saber o quanto a relação com nossas prioridades faz bem à nossa saúde mental.

Dia desses assisti a um comercial produzido pelo time inglês Norwich City Football Club, para celebrar o Dia da Saúde Mental.

Foi uma experiência um tanto inusitada.

O filme conta a história de dois amigos, parceiros de longa data, sempre juntos nos jogos do seu time do coração. Nas cenas, percebe-se nitidamente qual deles precisa de ajuda.

Até que, no final, a surpresa prova que a nossa mente é um imenso salão de piso escorregadio.

Um campo minado.

Estamos todos olhando, mas quase ninguém presta atenção.

Daí, lembrei de um texto do poeta de ferro:

Restam outros sistemas fora do solar a colonizar.

Ao acabarem todos só resta ao homem (estará equipado?)

A dificílima dangerosíssima viagem de si a si mesmo:

Pôr o pé no chão do seu coração.

Experimentar, Colonizar, Civilizar, Humanizar o homem.

Descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas

A perene, insuspeitada alegria

De con-viver.

Trecho de “O Homem; As Viagens” de Carlos Drummond de Andrade.

Claro que eu não resisti e solicitei a opinião do ChatGPT.

E ele: “O poema sugere que a verdadeira colonização, civilização e humanização do homem ocorrem quando ele se volta para dentro, para o seu próprio coração e mente. A viagem “de si a si mesmo” é apresentada como “dificílima” e “dangerosíssima”, indicando a complexidade e os desafios dessa exploração interior.”

Não conseguimos fazer quase nada sem o auxílio de um dispositivo eletrônico.

Nossa relação com a vida está sob os auspícios de mentes digitais, sob os cuidados atentos de mecanismos que nos vigiam com cuidado, dia após dia, noite após noite.

Como Drummond disse bem, viajamos por terras longínquas e, no meio do caminho, tropeçamos em algo que nos desviou de nós mesmos. Parece que essa distância de nossa essência nos impede de prestar atenção nos detalhes que realmente importam.

Estamos famintos, matando a sede na saliva, enquanto degustamos alimentos imaginários, em meio a paisagens desoladas, indo na direção de miragens.

Não quero ser fatalista. Até porque não precisaria fazer muito esforço.

O filme dos dois amigos torcedores do Norwich serve de laboratório e alerta para todos nós. 

Um dos amigos não percebeu que o outro precisava de ajuda, já que ele sempre estava de alto-astral, rindo atoa e celebrando espalhafatosamente; ao contrário do outro.

Teoricamente, o amigo sério e discreto talvez precisasse de ajuda para ser mais “alegre”. Porém, os números, as estatísticas e as manchetes de jornais não mentem. Excesso de “felicidade” nem sempre significa algo de bom.

Às vezes, talvez seja o contrário.

Não quero me limitar apenas à saúde mental aqui nesse texto, mesmo sabendo que é o tema mais importante nesse momento delicado.

Vivemos em meio a uma violenta tempestade, silenciosamente programada para manipular as nossas emoções e sequestrar a nossa atenção. 

E tem funcionado muito bem.

Falando sobre as intempéries da mente, só isso já deveria bastar para soar um alarme.

Estamos perdendo nossos empregos, nossas famílias, nossa razão, nossos amigos, a fé no futuro e, muitos de nós, se ainda não morreram fisicamente, já estão vegetando, mesmo que acordem cedo para ir ao trabalho.

É um tipo de pandemia.

O choque do futuro chegou. Ele é pop e não poupa ninguém. Não há privilegiados já que, quando falamos de equilíbrio emocional, não há dinheiro que nos livre de tropeçar em infernos recorrentes.

Os empregos estão em pleno desmatamento. 

As empresas não sabem o que fazer com as inteligências artificiais. Estratégias antes tidas como infalíveis, hoje se desfazem como pó entre nossos dedos.

Estamos em uma daquelas esquinas da história, quando tudo muda e quem não percebe é levado pela enxurrada do tempo. 

E não adianta gritar.

Nesses momentos críticos, a única saída possível é prestar atenção ao que acontece, como um predador paciente, à espreita, aguardando a hora certa de dar o bote. Um segundo antes ou depois pode colocar tudo a perder.

Eis o paradoxo: para sobreviver temos que estar atentos, mas nossas emoções não são confiáveis.

Então, qual é a saída?

Se você prestou atenção aos detalhes desse texto, talvez entenda que a resposta está mais próxima e de mais fácil acesso do que você imagina, mesmo que seja “dangerosíssima”. E teria graça se não fosse?

E não pergunte a uma Inteligência Artificial.

Lembre-se: sua atenção não é a coisa mais valiosa do mundo, suas emoções sim!

Existem respostas que só são possíveis quando a gente se muda para o “interior do nosso interior”, como dizia o querido Vander Lee. Não para nos esconder, mas para conhecer melhores versões de nós mesmos.

De lá, a viagem e as paisagens ficam muito mais interessantes. Onde não existem sorrisos de plástico e paraísos artificiais.

Bora experimentar?

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