Existem mil maneiras de se entediar

Nem todos gostam de atividades físicas, mas elas dão resultado. O tédio pode fazer o mesmo.

A condição do ser humano: inconstância, tédio e inquietação.”

Blaise Pascal

O estudo “Why Being Bored Might Not Be a Bad Thing after All” feito pela Academy of Management Discoveries revelou que o tédio pode ser algo bem positivo, se usado de forma estratégica.

Todos sabemos que o corpo humano foi construído para se movimentar.

Nossa estrutura fisiológica possui arquitetura e design únicos para lidar com praticamente qualquer tipo de terreno, e, é claro, uma mente capaz de se adaptar a situações inesperadas. Essa dobradinha biológica tem sido vantagem competitiva e diferencial de sobrevivência.

Atualmente, as academias estão cheias, pois aprendemos, a duras penas ou por influência do marketing, que atividade física faz bem para a nossa saúde; e, de muitas formas, para o ego.

Mas, os consultórios terapêuticos também estão cheios, pois aprendemos, com doces recompensas ou por influência do marketing, que existem doses cavalares de dopamina bem na ponta de nossos dedos.

A dedicação nossa de cada dia tem desenhado corpos bem delineados, com curvas e tanquinhos de tirar o folego de uns e arrancar lágrimas de outros. Estamos em Lua de Mel com a nossa aparência, como nunca antes na história.

Mas, parece que falta alguma coisa.

Trabalhamos loucamente, batemos metas, mantemos nossas agendas cheias de atividades, pois é preciso não desistir nunca, pois somos brasileiros. Certo?

Errado!

Segundo estudos recentes, o Brasil é um dos países com maior ocorrência de depressão no mundo.

Parecemos sufocados pela máxima imperativa, que nos move para o “bem de todos e felicidade geral da nação”. Será que o excesso de alegria envenenou a nossa capacidade de perceber a realidade?

Nelson Rodrigues dizia que “o brasileiro é um feriado”. Não sei se é possível concordar plena e totalmente com ele, mas sabemos que a nossa cultura nos deixou com infinitas cicatrizes. E isso nos fez muito únicos, em um mundo cheio de contrastes e imperfeições.

Falando do ser humano de forma geral, e das consequências do uso exagerado de tecnologias pela atual geração que está viva, estamos sob uma poderosa influência de mecanismos digitais que permeiam todo a nossa vida, de casa para o trabalho, e de volta; sem nunca deixar de nos monitorar pelo caminho.

Não sei se somos vigiados para ensinar algorítimos ou se somos manipulados por eles.

Estudos recentes mostram o quanto somos viciados em usar nossos dispositivos eletrônicos para preencher todos os nossos momentos, mesmo quando estamos acompanhados. Sacamos o celular no meio de uma conversa, só para ver se alguma notificação talvez tenha passado despercebida. Será?

Fica cada vez mais difícil viver saudável e elegantemente sem ter o bendito do celular pipocando o tempo todo, mesmo que seja apenas uma desculpa para desviar a atenção do que estamos fazendo.

Nos tornamos hedonistas digitais.

Não somos capazes de prestar atenção ao que acontece bem diante de nós. Tudo virou tédio, e quase nada dá conta de nos oferecer algum tipo de prazer real.

Ficar a sós, em silêncio, nem pensar.

No meio da multidão, nos fechamos dentro de nossas conchas digitais, no conforto e segurança de um par de fones wireless.

O tédio é uma resposta, um grito de nossos corpos.

Como nas atividades físicas, quando o corpo reage com dores, suor e lágrimas, mas, com o tempo, oferece resistência, agilidade e força, o tédio também é um aviso.

Ele é a resposta cerebral de que aquilo é chato, desconfortável e, talvez, “desnecessário”. Mas, se a gente insiste, talvez alguma resposta positiva pode vir, com o tempo, em forma de ideias. Umas que confirmam a atividade intelectual ou um novo jeito criativo de fazer diferente.

O desconforto mental e físico é uma oportunidade de encontrar mais “força”.

No estudo da Academy of Management Discoveries três grupos de pessoas foram submetidos a experiências diferentes. Quanto mais entediantes as experiências, mais criativas eram suas respostas e reações em situações posteriores.

Essas descobertas provavelmente não são nenhuma surpresa para Sandi Mann, professora sênior de psicologia da Universidade de Central Lancashire, no Reino Unido. Mann é autora de The “Upside of Downtime: Why Boredom Is Good”.

Em sua essência, o tédio é “uma busca por estimulação neural que não foi satisfeita”, diz Mann. “Se não conseguirmos encontrar essa satisfação, a nossa mente tenta criar”. Conforme demonstrado pelo estudo e por muitos outros anteriores, o tédio pode permitir a criatividade e a resolução de problemas, permitindo a mente divagar e explorar a imaginação. “Não há outra maneira de obter esse estímulo, então você tem que mergulhar na sua cabeça”, diz Mann.

Você pode se surpreender com o que vai descobrir ao fazer isso.

Parece que o cérebro, desprovido de prazeres exteriores, começa a criar suas próprias formas de colorir nossas emoções usando o desconforto como combustível para ir a lugares desconhecidos. Exercitar os músculos mentais é algo que a maioria não aprecia, por isso compramos o máximo de distrações possíveis para preencher esses vazios.

Dieta a base de entretenimento digital raso e comidas ultraprocessadas pode ser um jeito perigoso de perder a conexão com a realidade.

Precisamos de corpos saudáveis (sadios, não necessariamente magros) para viajar pelo mundo, e de mentes equilibradas para viajar por onde nossos corpos não podem ir fisicamente.

Como dizia Pascal, a condição do ser humano é “a inconstância, o tédio e a inquietação”. Somos essa invenção da natureza, uma fábrica de ideias com vontades infinitas, mas com o desafio de refinar o nosso relacionamento com as decisões que tomamos.

Para isso há que se promover esforços desconfortáveis sobre nossos músculos e cérebros.

O tédio é a oportunidade de experimentar coisas que não gostamos, mas isso vai estimular novas formas de pensamentos que podem trazer respostas únicas e soluções originais.

Viver eternamente com o doce prazer digital na ponta dos dedos é perigoso.

Estudos demonstraram, por exemplo, que ferramentas modernas, incluindo e-mails, redes sociais e App’s de encontros, podem prejudicar a saúde mental – por isso, fazer uma pausa pode ser uma oportunidade valiosa para recarregar as energias.

O tédio regular, bem programado, pode levar a sua mente para lugares impensáveis.

Como subir montanhas ou fazer longas caminhadas, assistir a uma ópera que não entendemos nada ou ler um livro imenso e cansativo, passar momentos em silêncio ou visitar aquele familiar chato; talvez ver um filme antigo, em preto e branco, de 3h20, no idioma original, quem sabe?

Toda vez que seu cérebro fica encurralado em situações desagradáveis, ele busca por respostas novas, inevitavelmente.

O tédio é um tipo de remédio. Amargo, eu sei, mas ele pode reconfigurar a sua forma de ver o mundo e encontrar a criatividade que você imagina existir apenas em situações prazerosas.

O conforto e o prazer dizem para sua mente que não é preciso fazer nada e que está tudo bem. Como ser criativo se não há desafios? Como encontrar soluções se não há problemas?

O tédio pode suscitar muitas atitudes: fugir para dentro do celular, dormir, ligar a TV, ir para academia, sair para rua, ler um livro, gritar na janela, xingar alguém, ficar em silêncio, construir um castelo, enfim, tudo pode acontecer.

Ele só é eficaz, do ponto de vista da criatividade, se ele arrastar você para fora da sua zona de conforto.

O tédio vai sempre incomodar. Afinal, ele é uma reclamação biológica por causa do esforço extra.

No fundo mesmo, do ponto de vista primitivo, o que realmente mais desejamos é ficar tranquilos no Open Bar da “Dopamina Folia”.

Tony Robbins diz que “tranquilidade demais gera pessoas fracas, que pessoas fracas criam momentos ruins, que tempos ruins geram pessoas fortes, e que pessoas fortes criam momentos grandiosos”. Não sei o quanto isso é verdade, mas acredito que todo desafio, mental ou físico, é apenas uma ideia se não colocado em prática.

Em 1666, Isaac Newton, entediado, exercitando a física, observou uma maçã caindo da árvore e refletiu sobre o que a fazia “cair”. Essa visão o levou a formular a lei da gravitação universal. Ponto para o tédio.

Esforço físico cansa e gera dores, mas, de muitas formas, os resultados são inevitáveis. Esforços mentais dão sono, muito sono, mas os resultados também são inevitáveis.

Ambos dão prazer, só exigem um tipo de dedicação diferente. A diferença é o orgulho que sentimos por não ter desistido.

O cérebro, por uma questão de sobrevivência, vai sempre evitar gastar energia. Mas, se você provar para ele que esse “esforço” vale a pena, ele vai com você, reclamando, mas vai.

Sessões voluntárias de tédio podem ser uma bela estratégia para salvar o seu dia, a sua carreira, a sua empresa, a sua família e até o mundo. Depende muito de como isso é feito e com qual objetivo.

Existem “mil maneiras” de se entediar, invente uma!

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