Empatia é quase amor

 Então é Natal, tempo de solidariedade pré-datada.

Junto com os pisca-piscas e bonecos de neve de pelúcia, aparecem subitamente a caixinha dos porteiros do prédio, o desinteressado cartãozinho de boas-festas do entregador de jornais, a mala-direta pedindo doação para o orfanato com fotos de crianças sorridentes, a vaquinha na firma para dar uma força ao pessoal da limpeza.

Aquele coração que batia gelado no seu peito de repente, não mais que de repente, esquenta e coloca em ebulição um impulso de ajudar o outro.

Mas os porteiros não estiveram durante todo o ano exatamente no mesmo lugar, abrindo e fechando as portas com uma mesura? O entregador não passava a cada madrugada na sua casa, deixando seu jornal à porta? O orfanato não cuidava das crianças, com casa, comida e roupa lavada, durante todos os outros meses, sem exceção? O pessoal da limpeza não limpava sempre que você sujava, dia após dia?

Por alguma razão, a janela de solidariedade costuma abrir umas poucas vezes por ano. Mesmo num ano como este, tão precisado daquela corrente pra frente.

Mal começou 2015 e já começou mal, com o ataque ao Charlie Hebdo, em janeiro. E dezembro vai terminando com a lama tóxica da barragem da Samarco se esparramando lentamente pelo mar, depois de devastar 600 quilômetros desde Mariana até o litoral do Espírito Santo.

Nesses doze meses desgramados, ainda levamos outros chacoalhões coletivos. O corpo morto da criança síria de bruços na praia do balneário turco. Os ataques terroristas simultâneos em Paris, explodindo de raiva e atirando por despeito em quem se divertia na noite. Os cinco garotos executados pela polícia carioca com 111 tiros de fuzis e pistolas.

Mas os terroristas não estão por aí há tempos? O descaso do Estado e de boa parte das empresas privadas com o meio ambiente não é uma tradição nacional? As pessoas não fogem das zonas de conflito desde que o mundo é mundo? A polícia brasileira não está entre as que mais matam no planeta?

Como reagir diante da dor dos outros?

Aplicar a bandeira francesa no avatar, colar a hashtag #JeSuisCharlie no post? Fazer as malas e se mandar para ajudar Mariana, assinar uma corrente on-line para investigar o assassinato dos cinco garotos pela polícia? Engrossar a manifestação em frente à delegacia, lamentar publicamente a crise migratória do Oriente Médio para a Europa? Acolher os refugiados?

Qualquer reação é mais eficiente do que nenhuma reação. Quem lê tanta notícia periga acabar sofrendo uma espécie de anestesia moral – em que um drama anula o outro, uma tragédia zera a outra. No meio dessa confusão ampla, geral e irrestrita, vale lembrar: o porteiro é real, a criança afogada é real, a aniquilação do Rio Doce é real.

O sofrimento do outro é tão real quanto o seu. Solidariedade é real, empatia é quase amor.

Fernando Luna acredita em Antônio Maria: “Seja feliz e faça os outros felizes”. É jornalista, sócio e diretor editorial da Trip Editora, onde cria e desenvolve conteúdo para tevê, eventos, digital e revistas.

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