Entrevistamos o Lourenço Mutarelli, autor da HQ “Capa Preta”

Em dezembro de 2019 a editora Comix Zone trouxe novamente para o mercado brasileiro as quatro primeiras HQs do autor Lourenço Mutarelli. O álbum, intitulado “Capa Preta” reúne os álbuns Transubstanciação (1991), Desgraçados (1993), Eu te amo Lucimar (1994) e A confluência da forquilha (1997). Editado por Thiago Ferreira e Ferréz o compêndio de histórias é um mergulho no universo das HQs brasileiras na qual as páginas originais foram redigitalizadas para ampliar a experiência gráfica do leitor.

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A compilação reúne as quatro primeiras HQs do autor editadas na década de 1990.

Para celebrar o “nascimento” (ou renascimento) desses álbuns, hoje eu tomei um café e bati um papo com o Mutarelli sobre a obra, processo criativo e referências do seu trabalho. Segue abaixo.

Entrevista Lourenço Mutarelli

Vince: Qual a sensação de se reencontrar com seu próprio trabalho trinta anos depois?
Mutarelli: É impressionante, mas ao mesmo tempo é assustador. É você perceber que trinta anos se passaram desde que eu publiquei meu primeiro álbum. Me reencontrar com esse trabalho é perceber que eu estou morrendo, mas ao mesmo tempo renascendo para novos públicos que não puderam conhecer meu trabalho lá atrás. O lançamento do “Capa Preta” com as pranchas originais nesse formato lindo me comoveu; eu tenho muito a agradecer ao Ferréz (que é como um irmão e um pai pra mim) e ao Tiago (da Comix Zone).

Vince: Você lê seu trabalho depois de publicado? Como é sua relação com seus quadrinhos e seus textos?
Mutarelli: Eu sou muito distante do meu trabalho. Dificilmente releio o que escrevo e publico. Tem um fato interessante sobre isso: a Companhia das Letras vai lançar uma versão áudio book do livro “O cheiro do ralo” e me convidou para ler o texto integralmente; então, foi bem interessante porque acho que foi a primeira vez depois de muito tempo que peguei um trabalho meu e li do começo ao fim. Quanto ao “Capa Preta” eu não consegui reler os quadrinhos. A edição está maravilhosa, mas eu não consigo ler novamente o que produzi naqueles anos; é um reflexo de anos terríveis que eu passei na vida, mas que entendo que foram essenciais para que este trabalho acontecesse. Logicamente eu tenho alguns trabalhos mais queridos: os livros “A arte de produzir efeito sem causa” e “O grifo de Abdera”.

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Páginas internas da HQ.

Vince: Quem te acompanha no Instagram pelo @mutarellilourenco sempre vê você escrevendo, desenhando, lendo textos e fazendo colagens. Você sempre compartilha suas ideias por ali. Daí vem a pergunta: como é o seu processo criativo e o que mudou nele desde a época que você começou nos quadrinhos?
Mutarelli: Eu tenho vários cadernos e vou gerando coisas neles: rabiscos, ideias, frases, montagens com fotos, desenho em cima de fotos, experimentações com tinta etc. Eu sempre estou tentando acessar algo que não é racional. Entro em um transe quando estou fazendo isso e busco uma materialização do meu inconsciente. É assim quando eu desenho. É assim quando eu escrevo. Quando quero ter ideias pego esses cadernos e revisito o que produzi por horas e horas. A inspiração e o processo criativo estão ali.

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Página de um dos sketchbooks de Lourenço Mutarelli

Vince: O que te inspira? O que você está lendo agora? O que você está escutando agora?
Mutarelli: Literatura e música são duas grandes inspirações. Eu tenho tido pouco tempo para ler, mas um último grande livro que li foi “Romance luminoso” do Mario Levrero; foi uma narrativa que me pegou do começo ao fim numa imersão total. Em relação ao mundo musical eu ouço demais Current 93 e atualmente descobri o trabalho da Anna Varney (do projeto Sopor Aeternus) que tenho ouvido bastante também.

Vince: Seu traço é sempre diferente. Se olharmos para os álbuns que compõem o “Capa Preta” vemos um Mutarelli que parte de um preto e branco duro para um Mutarelli que experimenta degradês e aquarelas em tons de cinza. Já em “Mundo Pet” há um trabalho com cores. Como você vê essa evolução do seu trabalho?
Mutarelli: Eu tento fazer cada trabalho meu com um detalhe único. Muitas vezes eu mudo uma coisa pequena, mas sempre procurei buscar provocar algum tipo de alteração no meu trabalho (seja em desenho ou seja em texto). Eu acho que eu coloquei muita coisa ruim para fora nos meus primeiros trabalhos (como eu falei: era uma época terrível da minha vida) e acho que – com o tempo – minha obra foi “suavizando”.

Vince: O que está vindo por aí? Que obras teremos logo mais?
Mutarelli: Bem, o filme baseado no meu livro “Jesus Kid” está na reta final de produção, então acho que brevemente teremos algo em audiovisual do meu trabalho. A Cia. Das Letras está preparando um relançando de um trabalho de uma HQ minha que eu gosto muito que é “A caixa de areia”. Nesse momento, mas isso é um lançamento para 2021, eu estou trabalhando numa autobiografia, mas com uma pegada surrealista (espero que fique legal).

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Sobre o autor: Nascido em 1964, Lourenço Mutarelli cursou a Faculdade de Belas Artes e, durante três anos, trabalhou nos Estúdios Maurício de Sousa. Em 1988, alguns colegas acharam que seria uma boa ideia simular um sequestro para levá-lo a uma festa surpresa. O trote desencadeou uma crise depressiva crônica. O autor encontrou nas histórias em quadrinhos o remédio para superar esse trauma e personificou, em seus heróis, os dramas por ele vividos.

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