Do exílio forçado na pandemia para uma corrente bonita de conexão

Fizemos tantos planos para o novo ano e nos deparamos com um surto. De um estranhamento inicial e todas as múltiplas dúvidas que foram surgindo, muito pânico, especulação para todo lado e poucas respostas. O povo correu para o supermercado para estocagem de comida e papel higiênico, como se todas as nossas necessidades pudessem ser supridas com itens essenciais de higiene e alimentação, mas se tem algo que estamos vendo como padrão, é ela: a solidão.

“Há quem me julgue perdido, porque ando a ouvir estrelas. Só quem ama tem ouvido para ouvi-las e entende-las.”

A frase é de Olavo Bilac e foi dela que eu lembrei, ao me deparar com o projeto pessoal do Marcelo Guimarães, escritor e Diretor de Criação da Buenas!. Sem poder sair dos Estados Unidos, devido aos voos cancelados, Marcelo se viu “trancado para fora, enquanto tava todo mundo preso dentro em casa” – como se definiu. Foram 60 dias impedido de voltar para o Brasil e, diante da agonia e da “fome de conversar com as pessoas”, o criativo transformou seu exílio em uma corrente de empatia e conexão, cujo ponto de partida foi juntar uma câmera, um gravador, uma cadeira de praia e este cartaz aí:

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As pessoas vieram, sentaram, contaram, choraram, bradaram. Gente comum vivendo coisas incríveis debaixo da batuta de um Deus inexplicavelmente criativo. Todo mundo quer alguém que pare pra ouvir.”

Algumas pessoas passavam olhando, outras fotografavam por curiosidade. Uma a uma, pessoas foram parando e o papo foi rolando. “Não eram conversas sobre o confinamento em si, mas sobre a vida, o amor, a esperança, Deus”, diz o criativo.

Sem roteiro, sem perguntas.
Sem ideia de como ia ser.”

Conhecido por Erudito, Marcelo decidiu compartilhar no seu Instagram pessoal a experiência vivida, fazendo questão de replicar os depoimentos em inglês mesmo, para evitar que houvesse qualquer desvio de conteúdo, mantendo a originalidade das histórias contadas, como forma de respeito a quem lhe confiou aquele momento. Cada post publicado trouxe uma sequência de frases em imagens, com o audio de trechos das conversas como ponto alto.

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“I used to coach football in poor communities. Some of the kids don’t have clothes. So I used to buy them clothes and take them to eat. And then I started selling candy to raise some money.
And from there I started this organization. I try to keep them out of the streets. Sometimes it works, sometimes don’t. I just hope they don’t lose their lives. I had a lot of boys I brought up and died, and got killed in the streets. But some of them are doing good. I got some in college. I got one or two driving trucks. But I got a bunch of them getting killed. That’s the hard part”…”
– Eric Swain –

Eu pedi ao Erudito que me contasse qual história mais o marcou:

Acho que dá pra dizer que todas as entrevistas trouxeram coisas legais, mas a que mais me tocou foi a de uma senhorinha chamada Linda Walter. Ela tava tão sedenta por alguém que simplesmente a ouvisse que a conversa com ela foi completamente acidental. Eu parei pra pedir informação sobre uma família desabrigada por um incêndio, que eu pretendia entrevistar, e ela nem me deu chance de sair – foi logo contando do seu jardim, de como ela via nas plantinhas uma companhia, me dando macetes pra nunca regar demais ou de menos, de como o pé de tomate dela andava bonito e dessa vez, parecia, ia mesmo vingar. Quando eu vi, estávamos conversando sobre coisas bem mais profundas, como a solidão, a fé e as ironias da vida.

Linda Walter
“ If I could get out of this chair and go do the stuff I always did, I would be a happy camper. I don’t have any family. My family is all gone. The only sibling I have left is in San Antonio, Texas. And we just found out that he’s got brain cancer….”
“There is a lot of times I wish I wasn’t here. To be honest, I’m very sorry sometimes I am here because I don’t see a reason. My mind is very active, but my body isn’t. If I could get out of this chair and go do the stuff I always did, I would be a happy camper”.
– Linda Walter –
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“My family is in Cuba. But my followers on Instagram are my family, because they love me. They say I don’t do wrong, that what I do is love.”
– Candy “Chocolate –

Para a íntegra das histórias, sugiro seguirem o Erudito por lá. A poesia por trás do projeto e as histórias ali reveladas são uma fuga boa desta pressão imposta pelo isolamento. Aliás, Erudito já disse que tem vontade de continuar o projeto por aqui, no Brasil, ouvindo a nossa gente. “História é história em qualquer lugar do mundo. Talvez essas americanas tenham sido só o começo”, completou.

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