Comer, rezar, amar

No corpo humano o que não é cérebro é a sua extensão.

No corpo humano o que não é cérebro é a sua extensão.

Quando a reunião começou, via-se estampada no rosto dela uma expressão sombria. Assim que as primeiras palavras lhe saíram pela boca, as lágrimas repetiram o mesmo movimento. A voz embargada e a testa franzida ilustravam a nuvem cinza que atravessava todas as telas ligadas naquela reunião.

Era o fim de um ciclo.

Ela não poderia mais dirigir o projeto que tinha criado com tanta paixão. Ela mesma escolhera cada membro, os quais acreditava ser os melhores em cada uma de suas áreas, e a soma de seus talentos seria sucesso certo, mas algo deu errado: tinha uma pedra no meio do caminho.

Quando Elizabeth Gilbert escreveu seu best seller “Comer, Rezar, Amar”, ela passava por uma crise pessoal. Havia uma necessidade de busca por significado, pois todos os excessos vividos até ali não haviam dado nenhuma garantia de felicidade. Interessante o título, pois percebe-se uma tríade “Corpo, Espírito, Mente”.

Corpo: a eterna busca pela sobrevivência básica, ou seja, a luta biológica pela extensão máxima até um limite desconhecido, protegido com todas as forças disponíveis.

Espírito: aquela energia etérea que nos move em busca de transcendência, para ter o poder de enxergar e experimentar além do horizonte que a própria vida orgânica não é capaz de nos entregar, mesmo que o nosso “comer” seja sofisticado e infinitamente variado.

Mente: é aqui que a guerra acontece. Fonte de todos os dilemas humanos, onde as sensações vem e vão. Amamos e odiamos usando esse pedacinho de carne gelatinosa. Nossos sonhos mais coloridos e sombrios são criados exatamente aqui. Dúvidas e furacões sensoriais moram nesta caixinha de Pandora.

A expressão “Comer, rezar, amar” é uma síntese da natureza humana. Talvez a verdadeira trindade que nos governa sem a menor chance de escape. Sentimos todos os tipos de fome, seja física ou emocional, e estamos o tempo todo tentando aplacar esse incansável desejo de alimentar um cérebro que parece ter vontade própria.

No final da reunião, depois que cada membro da equipe manifestou seus sentimentos, entre lágrimas e soluços, havia apenas aquele clima de pós tempestade, pois as coisas parecem estar fora do lugar, reviradas, mas, independente disso, a vida precisa seguir em frente.

Um novo cenário que pode e deve ser usado como estímulo para a inevitável partida. Com dores e desconforto, sim, mas talvez esses sentimentos nos ofereçam a percepção de que há formas diferentes de temperar a vida, e que a mistura de sabores expande o nosso jeito de lidar com a própria novidade.

A coordenadora precisou partir porque sentiu que não conseguia mais.

Os excessos de estimação pesaram tanto que seus sentidos lhe saltaram aos olhos, e não teve jeito, chegou a hora de meter o pé no freio e tentar salvar o que ainda lhe restava de humanidade.

Um projeto voltado para gerenciar pessoas e seus respectivos talentos criativos nunca seria prolífico, nunca floresceria se a mente que o conduz estivesse sob pressão tal que comprometesse o princípio básico da geração de ideias, que é o relaxamento pleno, um que nos possibilita enxergar camadas invisíveis nas pessoas e em nós mesmos. Sem isso não há criatividade, nem no universo pessoal e nem mesmo no coletivo, onde as grandes invenções acontecem no seu potencial máximo.

A decisão de dar uma pausa foi dura, mas sabemos que o intervalo é um recado claro para nossos cérebros, de que ele pode se divertir colocando a casa em ordem. Passamos tempo demais comandando, atentos ao prompt, achando que estamos no controle, acreditando que o excesso vai nos conceder algum destaque ou beneficiar a nossa inteligência e capacidade criativa. Não, definitivamente não!

No corpo humano o que não é cérebro é a sua extensão. Acredito que o resto de nós que não é cérebro talvez seja uma estratégia dele mesmo para garantir sobrevivência num planeta complexo e perigoso. Somos frágeis, sim, é verdade, se comparados aos outros animais, todavia, é exatamente o poder interno de nossas mentes que anula a necessidade de cascos duros, garras, presas, etc. Podemos criar nossas próprias ferramentas e nos adaptar a praticamente todos os cenários da Terra.

Sabendo disso, que a parte mais nobre e importante de nossos corpos é o nosso cérebro, talvez seja o momento adequado para “pensar” no quanto o ignoramos, ironicamente. Colocamos a ferramente mais sofisticada que temos para tarefas simples demais, porque fomos forçados a acreditar que ele não é tão poderoso assim. Nos consideramos, às vezes, inteligentes, mas não superamos aquele pequeno universo onde nos tornamos especialistas.

Tentamos entender a humanidade alheia mas temos dificuldade em perceber o quanto somos humanos.

Comemos, rezamos e amamos de maneira superficial. Alimentamos nosso corpo apenas porque sentimos fome, rezamos apenas porque temos medo da morte e amamos, muitas vezes, para tapar vãos em nós mesmos ou para não nos sentirmos sozinhos.

Equipes criativas precisam conhecer seus corpos e suas mentes, ou, pelo menos, se manterem dedicadas a essa missão, aprendendo sempre, principalmente sobre si mesmos. O autoconhecimento pode trazer novas surpresas à tona, e, assim, o mundo não consegue mais nos ignorar.

A pausa causa dor, mas os excessos matam sonhos.

Seres humanos se adaptam a qualquer situação, mas só aqueles que prestam atenção ao que acontece consigo e com o seu grupo de convivência, seja em família, empresa, cidade ou no mundo, conseguem criar verdadeiras revoluções. Aquelas positivas, que causam tanto orgulho que viram capítulos de livros, filmes e seriados.

A criatividade é o resultado de gente apaixonada por ideias incríveis, que aprendem a dividir suas expectativas e a somar esforços para realizar seus sonhos. Sempre se divertindo. E isso começa e termina dentro de nossos cérebros, a fonte de todo desejo, de toda fome, de toda busca espiritual e de todo amor que nos move ao redor desse mundo e, espero de verdade, de “todo” o universo.

Uma mente tranquila realiza muito mais, pois as suas extensões e sentidos estão equilibrados, em seu potencial máximo, dissecando cada uma das infinitas camadas ocultas de um cosmos que nunca se cansa de nos surpreender, mas isso só acontece se você estiver de boa, relaxado, curtindo a vida, pronto e pronta para girar a cabeça e prestar atenção na paisagem.

Tudo que consumimos nos afeta.

O cérebro preciso de comida, luz, água e informação. Todos são imprescindíveis, mas a qualidade de cada um deles afeta o seu desempenho. E no que diz respeito a informação, sugiro que respeitemos o tempo de digestão, para que sejam nutridas as regiões certas e que nada seja perdido. Se você come muita comida, o sistema digestivo descarta o excesso e outra parte vira gordura; sem contar a sobrecarga para processar algo que nem mesmo será usado.

E isso vale para as informações que consumimos.

Excessos causam desastres emocionais, e o corpo com uma mente descontrolada perde a guerra das emoções, caminhando na direção de um abismo sombrio. Então, faça um favor ao seu amado cérebro: pega leve com ele.

Estude, pesquise, trabalhe, crie, busque, vá, faça e aconteça, mas nunca se esqueça de valorizar a sagrada pausa, pois, sem isso, a nossa máquina pessoal de criar ideias não vai poder fazer a sua parte; e olha que ela não cobra nada para nos entregar de mãos beijadas ideias brilhantes. Basta se desligar na hora certa e deixar a mente brilhar.

O choro foi doído e verdadeiro naquela fatídica reunião, mas sabemos que seremos pessoas melhores por causa desse aprendizado. A coordenadora vai aprender a “comer, rezar e amar”, e nós, acredito também, e, exatamente por isso, seremos pessoas diferentes, com ideias melhores, porque acredito que estaremos mais atentos às nossas limitações, enquanto nos preparamos para a próxima revolução possível.

Afinal, o que nos diferencia na natureza é o fato de sermos capazes de aprender com nossos erros: adaptação é o segredo de mentes inquietas que aprenderam a abraçar a tranquilidade na hora certa.

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